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Pistola Mauser C96 (Rev. 2)

É um desafio para qualquer autor escrever sobre essa arma, e não é para menos; ela pode ser considerada parte de um universo de meia dúzia de pistolas militares antigas que pertencem a um estreito círculo de características que compreende inovação, qualidade, durabilidade, confiabilidade e sucesso, como ocorre com a Colt 1911, a Parabellum (Luger), a Browning 1935 e a Walther P-38.

Além disso, devido a seus inúmeros contratos firmados ao redor do mundo e às suas variações em grande número, a C96 encaixa-se na categoria de armas que merecem e realmente possuem vários livros e publicações, com muito maior abrangência do que um artigo do porte que pretendemos publicar aqui, em Armas on-Line.

DESENVOLVIMENTO

Os detalhes mecânicos, a qualidade do produto e dos materiais empregados sempre foram levados na mais alta consideração pelos fabricantes desta pistola. Desde o protótipo de 1894 até as últimas unidades produzidas na Waffenfabrik Mauser A.G. , em 1939, pequeníssimas porções foram fabricadas, principalmente durante a I Grande Guerra, onde pode-se perceber um pequeno e leve declínio naqueles fatores.

Um dos enganos mais comuns que existem no imaginário popular é o de que foi Peter Paul Mauser o projetista da pistola C96. Paul Mauser tinha, sob sua responsabilidade, a Waffenfabrik Mauser, um complexo fabril de alta tecnologia, herdado de seu pai, de onde saíram os mais famosos e bem sucedidos fuzís militares de repetição de que se tem notícia. Paul Mauser nasceu em Oberndorf, perto do rio Neckar, Alemanha, em 27 de junho de 1838 e faleceu em maio de 1914. Desde os 14 anos Peter e Wilhelm trabalharam nas instalações da Royal Württemberg, fabricante de armas da Alemanha. Em 1871, ele se seu irmão Wilhelm desenharam um dos primeiros fuzís militares com ação de ferrolho, 0 modelo 1871, de um só tiro, em calibre 11x60R, com uso de pólvora negra. Em 1872 os irmãos Mauser fundaram a sua própria fábrica e em 1874 adquiriram a Royal Württemberg.

Logo depois da aquisição, Wilhelm veio a falecer, deixando a fábrica nas mãos de Paul Mauser. Posteriormente, em 1881, esse fuzil 71 foi modificado para utilizar um carregador tubular, transformando o projeto original em um fuzil de repetição, o modelo 1871/84 adotado em 1884 pelo Império Germânico. A história que se segue na evolução desta arma será motivo para um outro artigo nosso, a ser publicado em breve, sobre Os Fuzis Mauser.

Há indícios de que Paul Mauser (foto) nem tinha conhecimento do desenvolvimento da então chamada “Rucklauf-Pistole” por uma equipe de engenheiros participantes de um grupo muito especial dentro da Mauser, uma espécie de “workshop” de experimentos. Fidel Feederle foi, durante anos, o superintendente deste centro experimental e manteve essa posição até 1930. Seus colaboradores mais chegados eram seus irmãos  Friederich e Josef Feederle. Todos eles permaneceram na Mauser até a década de 30, onde foram substituídos por August Weiss, figura lendária intimamente ligada às pistolas Mauser e também à Parabellum, visto, inclusive, ter tido estreito contato com George Luger na Deustche Waffen und Munitionsfabrik, a D.W.M.

August Weiss trabalhou com Georg Luger na DWM, em Berlim. Depois, em 1930, foi para Oberndorf, onde se tornou o chefe de operações da Mauser até 1948, quando colaborou para a liquidação da empresa no período de ocupação aliada. Sob a gerência dele, de 1930 em diante, a Mauser produziu quase um milhão de pistolas Parabellum. Weiss era conhecido como uma figura de homem discreto, afável, de fala calma e de educação esmerada, o que conquistou a admiração de todos seus funcionários e amigos.

Felizmente Weiss deixou um legado de registros históricos tanto da DWM como da Mauser, o que foi de uma utilidade impressionante para historiadores levantarem seus dados sobre a pistola Parabellum e a Mauser C96. Foi baseado em suas informações que a maioria dos autores de livros sobre essas duas armas se alicerçaram, até mesmo com entrevistas pessoais.

August Weiss faleceu em 1980 e foi enterrado não muito longe da fábrica da Mauser, perto do rio Neckar; viveu, portanto, até poder assistir ao renascimento da pistoila Parabellum em 1970. Tristemente, 25 anos após sua morte, em 2005, seus restos mortais foram removidos do local de origem pois não havia mais ninguém que pagasse as taxas devidas de seu túmulo. Deixo aqui com grande prazer esse meu tributo à figura de August Weiss.

Nesta fotografia tirada em Berlim, junho de 1958, vemos o filho de Georg Luger, George Luger II, e sua filha Elizabeth, ladeando Fred Datig, autor do livro The Luger Pistol. Na extrema direita, Herr  August Weiss. 

Retornando pois à nossa história, por volta de 1894, os irmãos Feederle já tinham um esboço da pistola, a qual inicialmente usaria o cartucho 7,65 mm X 25 oriundo da pistola projetada um pouco antes por Hugo Borchardt, em 1893 e cuja evolução, quando nas mãos de Georg Luger, iria levá-la a se tornar a famosíssima pistola Parabellum (Luger).

Revisão de 1897 sobre um dos primeiros esboços, apresentados na documentação da primeira patente requerida em 1894

Alguns autores costumam relatar que ao tomar conhecimento dos primeiros desenhos e do projeto em si, Paul Mauser havia torcido o nariz. Afinal, tratava-se de algo inteiramente novo para ele e para a Mauser; apesar do primeiro impacto negativo, ainda assim mandou que tocassem o projeto para a frente. Em 11 de dezembro de 1895, depois de excelentes resultados obtidos em testes, Paul Mauser registrou sua patente na Alemanha sob Nº 90430. Em seguida, ampliou os direitos de patente para inúmeros países do mundo, inclusive no Brasil, onde registrou sob Nº 2088 em 28 de julho de 1896.

 

O primeiro protótipo da pistola Mauser construído, datado de 15 de março de 1895 (foto da coleção de Herr August Weiss)

Depois de diversas modificações e de mais alguns protótipos testados, um modelo de transição foi fabricado em dezembro de 1895. Em fevereiro de 1896, o grupo desenvolvedor convenceu Paul Mauser de que a arma poderia ser lançada comercialmente e entrar em linha de produção. Tanto o mercado civil como o militar de diversos países estavam na mira do pessoal da Mauser. Com o aval de Mauser, a  fábrica começou a fabricar a pistola em série, denominada oficialmente de C96 (“Construktion 96”). Neste primeiro instante, decidiu-se pela fabricação de modelos com carregadores fixos de 6, 10 e 20 cartuchos (Obs: todos os carregadores das C96 são fixos e bifilares (cartuchos alinhados aos pares), exceto nas últimas versões) e estabelecer uma mudança fundamental no cartucho empregado.

Optou-se por manter as dimensões do cartucho 7,65 X 25 da pistola Borchardt, mas como a C96 oferecia uma maior resistência mecânica e uma trava de culatra muito reforçada, alterou-se a carga de pólvora então empregada e fez-se modificações no peso do projétil, criando-se assim o cartucho 7,63mm Mauser.

Ao lado, o cartucho 7,63mmMauser fabricação DWM

Essa diferença na numeração (de 7,65 para 7,63) era algo de cunho meramente comercial, uma vez que o projétil continuava tendo o mesmo diâmetro. Porém, com as modificações como vimos acima, o novo cartucho se tornou o mais potente e o mais veloz de sua época, só sendo suplantado na década de 30, pelo cartucho de revólver .357 Magnum. Inicialmente, nesses primeiros modelos, as talas da coronha não eram ranhuradas, não haviam os rebaixos flautados nos trilhos laterais da armação superior, o bloco que agia como trancamento do ferrolho tinha só um ressalto e na parte superior da câmara, a marcação era System Mauser.

Acima exemplar da primeira série produzida da C96 (foto: American Rifleman)

Para alegria do pessoal da Mauser e infelizmente para a Ludwig Loewe, a então fabricante da pistola de Hugo Borchardt, uma espécie de “rival” da C96, o produto deles não estava sendo muito bem aceito, nem comercialmente, nem militarmente.

O custo da arma era muito alto, e seu desenho, apesar de revolucionário, com qualidade e uso de materiais de primeira linha, não agradava muito por ser exageradamente grande e desequilibrada. Esse fato, para a Mauser, foi mais do que benvindo pois, com o fracasso da rival, a C96 teria muito mais chances de alavancar o mercado e a fama. Hugo Borchardt se recusava a alterar o projeto, o qual julgava ser perfeito. Essa postura decretou o fim da pistola mas, por outro lado, acabou dando ao mundo a famosa Parabellum, obra do alemão Georg Luger, na época trabalhando na D.W.M., que modificou o projeto original de Borchardt. A Deutsche Waffen und Munitionfabrik havia, nesta ocasião, incorporado as instalações da Ludwig Loewe.

A pistola Borchardt C93, no seu estojo original contendo carregadores adicionais, ferramentas de limpeza e coronha de madeira com coldre de couro. Essas armas, desde que em estado totalmente original, nos estojos, são comercializadas a preços altíssimos, como essa da foto, arrematada em recente leilão, nos USA, por US$ 48.000,00.

A EVOLUÇÃO E DESCRIÇÃO DOS MODELOS BÁSICOS

Devido à grande variedade de versões feitas especificamente para cumprir contratos com diversos países, inclusive modificações solicitadas pelos clientes, fica inviável expor todas as variações aqui, em detalhes. Nossa intenção neste artigo é fornecer um panorama geral dos principais modelos mais importantes, fornecendo ao leitor subsídios para uma identificação correta de uma peça que venha, porventura, a avaliar.

O detalhe que mais chama a atenção nas C96, e que caracteriza melhor  os tres “modelos” básicos, é o cão, ou martelo da arma, que podem ser separados em tres tipos distintos: “cone-hammer”, “large-ring hammer” e “small-hammer”.

Mauser C96 “cone-hammer” com carregador para seis cartuchos – nota-se bem, nesta arma, as marcas de usinagem (fresa) feitas nas áreas do rebaixo do painel lateral – peça de coleção particular

Excetuando-se os protótipos, como exibido logo no início, cujo tipo de martelo se denomina de “spur-hammer” (algo como “cão em formato de espora”), todos os modelos de produção em série da C96 utilizavam um dos tres tipos listados acima.

O primeiro modelo de martelo a ser usado na produção em série foi em formato de  duplo cone, levemente protuberantes e com círculos concêntricos, um de cada lado. As pistolas C96 “cone-hammer” são, hoje em dia, as mais raras e consequentemente, as mais valiosas, sempre levando-se em conta o estado geral e original da arma.

As “cone-hammers” foram produzidas aproximadamente até o ano de 1899 a 1900, com o número de série atingindo 14.999. O que sempre tem que ser levado em conta é que, devido a estoques remanescentes dos modelos anteriores, muitas das pistolas, na época dessas transições de modelos, acabavam apresentando características mistas de um modelo anterior com o modelo novo.

O segundo modelo se trata de um martelo com formato de um grande anel vazado e recartilhado na sua parte superior. Esse cão encobre parcialmente a alça de mira, quando a mesma se encontra regulada para a distância mínima. As “large-ring” foram fabricadas entre 1900 e 1908, aproximadamente. O sistema de trava de segurança é o mesmo empregado nas “cone-hammer”, com um curto movimento da alavanca, situada ao lado do cão, travando para baixo e destravando para cima, ficando na posição horizontal, como se vê na foto acima e na da esquerda, abaixo.

   

A terceira variação de modelos de martelo,  que é a mais comum e mais fabricada, é a que se denomina “small-hammer”, foto acima à direita. A produção deste tipo de cão começou a partir de 1908 e juntamente com essa mudança efetuaram-se alterações na trava de segurança; nos modelos anteriores, a alavanca na horizontal significava a arma destravada e movendo-se para baixo, posição travada; na nova versão houve uma inversão: para se travar a arma, a alavanca é levantada, e num curto bem mais longo. Esse movimento, quando a arma se encontra desegatilhada,  faz com que o martelo se afaste um pouco de sua posição de descanso, encostado ao ferrolho, o que, juntamente com o uso de um percussor inercial, aumentava a segurança contra disparos, principalmente em quedas. Em todas as C96, a trava de segurança pode ser acionada tanto com a arma engatilhada ou não.

As tres posições possíveis da trava de segurança a partir dos modelos “small-hammer” – arma destravada, arma travada com o cão baixado (note o pequeno recuo do martelo) e a posição travada com o cão armado

A trava de segurança, nos modelos a partir do uso do “small-hammer”, quando acionada, também impede que o ferrolho seja aberto, o que não acontece nos modelos anteriores.  Em 1912, com os números seriais arbitrariamente ajustados para 200.000 e que continuou até cerca de 700.000, a Mauser criou uma pequena modificação na trava usada desde 1908, a qual denominou de “Neue Sicherung”, que significa “nova segurança”. Para diferenciar da trava anterior, carimbou-se as letras NS intercaladas, na parte de trás do martelo. Antes dessa mudança, se a alavanca da trava não fosse levada totalmente à sua posição máxima para cima, a arma poderia ser acidentalmente destravada, sem que se percebesse.

À esquerda, a alça de mira até 500 metros, seguida pela mais antiga, graduada até 1000 metros

As miras utilizadas nas C96 eram, em muitos aspectos, bem similares às que a fábrica usava em seus fuzís de repetição; uma alça graduada em forma de gangorra, envolvida por uma corrediça munida de um botão que trava nas escalas de distância, em metros. Nos modelos iniciais, até a comercial de 1930, a alça geralmente é graduada até 1000 metros, algo muito otimista e sem sentido, uma vez que, mesmo em fuzís, chega a ser inútil, pois mal se consegue visualizar qualquer alvo a essa distância. Nos modelos de fim de produção, a partir de 1930, as graduações caem para 500 metros, o que ainda não deixa de ser uma pretensão. Diversos modelos, inclusive as do tipo “Bolo” eram fornecidas sem a alça de mira graduada. No lugar da mesma era simplesmente usinado um ressalto, com um V fixo centralizado, posicionada na parte traseira da armação.

Adicionalmente ao detalhe dos formatos do martelo, há mais alguns outros que podem caracterizar melhor os modelos da C96, como o formato do extrator, o tipo de montagem do gatilho e os painéis usinados lateralmente na armação.

Acima, os dois tipos de extrator: o modelo longo, à esquerda, encontrado nas pistolas “cone-hammer” e nas “large-ring hammer”; à direita, o extrator curto, fixado com duas abas laterais, utilizado nas pistolas com “small-hammer” até o final da produção da arma.

Os painéis laterais nas Mauser C96 merecem também um comentário detalhado. Acredita-se que, devido à grande área livre existente na armação dessas armas, optou-se por criar esses painéis, que são áreas rebaixadas em formatos retangulares ou quadradas e acompanhando a curvatura do guarda-mato, com a finalidade de aliviar  peso.

Capturar2

Uma raríssima e interessante “Cone Hammer” cortada, a fim de exibir parte do mecanismo interno

Magnífico exemplar de uma C96 “large-ring hammer” e armação sem as usinagens dos rebaixos, tipo “Slab-Side”

Mauser “large-ring hammer” da versão Slab-Side, com o detalhe interessante da tala de empunhadura em “hard-rubber”, com o belo monograma WM (Waffenfabrik Mauser). A caixa é artesanal. Peça de coleção particular. 

Particularmente o autor acredita mais na hipótese de razão puramente estética. Alguns estudiosos já avaliaram quanto se reduzia no peso da arma com esses rebaixos e chegou-se a valores tão ínfimos que não justificariam operações de usinagem tão intensas. A figura abaixo demonstra resumidamente os diversos padrões de usinagem que eram executados, e que foram mudando através dos anos. Algumas variantes da pistola foram feitas com as laterais da armação planas, sem rebaixos, denominadas de “Slab Side”.

Durante a I Grande Guerra, de 1914 a 1918, devido à maior demanda, o tempo de produção era mais curto e o acabamento ficou um pouco comprometido, o que se pode verificar pelas marcas de fresa bem aparentes no interior dos rebaixos. Mesmo em outras áreas da arma feita nesta época, estão presentes marcas de ferramental pois deixava-se detalhes de acabamento em segundo plano, principalmente o polimento das peças.

No esquema acima, temos tres exemplos principais de padrões de painéis. De cima para baixo, Mauser “cone-hammer”, Mausers “large-ring hammer” e finalmente as “small-hammer”

Com relação à capacidade do carregador, a C96 foi oferecida em versões de 6, 10 e 20 cartuchos, todas as opções utilizando-se carregadores fixos, municiados por cima do ferrolho, através de um clipe metálico similar ao utilizado nos fuzis Mauser, com a capacidade de 6 ou 10 cartuchos. Nas pistolas de 20 cartuchos, utilizava-se dois clipes consecutivos de 10 cartuchos.

Acima, caixa com 50 cartuchos, datada de 1918, da empresa alemã RWS. Abaixo, o clipe carregador da Mauser C96 com 10 cartuchos calibre 7,63mm, fabricação da DWM

Uma versão da pistola que se sobressaía em relação às demais era a carabina, que foi produzida em bem menor quantidade do que as pistolas. Foram numeradas em uma sequencia exclusiva de 1 a 1.100 aproximadamente. Ofereciam a coronha de madeira com a empunhadura integrada, embora ela pudesse ser destacada da armação para facilitar o armazenamento. A coronha das carabinas, ao contrário das que acompanhavam as pistolas, não servia como alojamento para guardar a arma. A alça de mira era graduada de 0 a 500m com ajustes clicados de 50 em 50 metros. As 30 primeiras carabinas foram da modelo “cone-hammer”.

Os canos eram fornecidos com 30 cm ou com 37 cm de comprimento, e foram fabricadas desde 1899 até 1920. O alcance efetivo dessas carabinas era muito maior do que o das pistolas, abrangendo cerca de 100 a 200 metros.

Uma das versões da carabina, do modelo “small-ring hammer”, devidamente decorada. As carabinas foram feitas em poucas quantidades e são consideradas valiosas peças de coleção.

Uma pistola C96 do modelo “cone-hammer”, com a sua coronha instalada

Outra variante interessante são as pistolas denominadas de “Bolo” Mausers. O Tratado de Versalhes, assinado em 1919 pelos países vencedores logo após a I Guerra, impôs à Alemanha uma série de restrições, várias delas referentes ao fabrico de armas de fogo. Para se adequar à essas regras, a Mauser desenvolveu um modelo menor da C96, com cano mais curto, algo em torno de 4″ e, aproveitando a mudança, desenhou também uma empunhadura mais achatada. O Tratado limitava, entre outras coisas, o comprimento do cano de armas curtas. Coincidentemente, o recém instalado governo da União Soviética pós revolução de 1917, encomendou várias dessas pistolas. Apesar de não aceita por alguns autores, acredita-se que a alcunha de “Bolo” origina-se da palavra “bolchevique”.

Diversas pistolas pré Tratado de Versalhes foram transformadas para se adequarem às novas regras impostas. As armas novas, entretanto, receberam a denominação de 1920 e grande parte delas possuía essa data gravada na arma. As transformadas tiveram seus canos reduzidos para 4″ de comprimento e a alça de mira eliminada em lugar de uma mira fixa. Predominantemente, a produção neste período se absteve às comerciais e as do tipo Bolo. Nesta época dos números seriais atingiam a casa de 500.000.

Acima, uma Mauser 9mm Parabellum datada de 1920, com cano reduzido para 4″ de comprimento e supressão da alça de mira graduada – exigências do Tratado de Versalhes

Pistola C96 “Bolo” com cano de 4″, 10 cartuchos, modelo pré-comercial de 1930

Uma C96, fabricação de 1912, com alguns cartuchos 7,63mm – ao fundo, o famoso Mauser “banner” (foto do autor)

Acima, uma pistola C96 do tipo “small-hammer”, fabricação de 1912 (foto do autor, coleção particular)

O PROBLEMA DOS NÚMEROS SERIAIS

Apenas como explicação adicional, convém abrirmos um parêntese aqui para falarmos um pouco sobre a numeração serial das C96. Ao contrário do que se imagina, devido à tradicional rigidez germânica normalmente empregada nos controles de manufatura, na Mauser C96, a numeração serial sofreu uma série de alterações, de forma a se tornar uma referência extremamente confusa, que dificulta um pouco a identificação correta das datas de fabricação.

A Mauser C96 parcialmente inserida dentro de sua caixa-coronha (foto do autor)

Inversamente ao sucesso que ocorreu com os fuzis Mauser, as pistolas C96, guardadas certas proporções, não foi uma arma muito popular. A fábrica possuía capacidade ociosa na linha das pistolas e assim, podia produzir muito mais armas do que poderia vender; portanto havia um certo “encalhe”, inclusive oriundo de contratos não finalizados. A Mauser, na sua linha de fuzis, sempre teve como norma criar numeração serial exclusiva para seus grandes contratos, sequenciais e inciando-se no número 1.

Conjunto completo de uma C96 com coronha de madeira e coldre de couro com acessório de limpesa

Dependendo dos contratos das armas enviadas aos representantes que a Mauser mantinha fora da Alemanha, os números de série poderiam ser interrompidos e reiniciados mais tarde, ocasionando “buracos” na sequencia.  Na época do Contrato Italiano em 1899, por exemplo, ao que se antecedeu um similar com a Turquia, foram saltados 10.000 números que nunca mais foram repostos. Por estas razões, não é muito fácil estabelecer datas exatas de fabricação de um detrminado modelo a partir de seu número de série.

Como o tempo de produção das C96 atingiu a marca de pouco mais de 30 anos, e existem tres tipos distintos, pode-se assumir que as “cone-hammers” foram fabricadas entre 1897 a 1900, as “large-ring hammer” de 1900 a 1908, as “small-ring” de 1908 a 1912, e finalmente as “small-ring” com travas NS “Neue Sicherung” e com seriais acima de 280.000, fabricadas a partir de 1912.

De acordo com uma informação do leitor Erich Tamberg, o autor britânico Frederick Myatt afirma que as C-96 produzidas até 1912 tinham canos com 4 raias, número alterado para 6 raias a partir daquele ano, detalhe que pode ajudar na avaliação da data de produção..

Durante a vigência do Tratado de Versalhes, principalmente na década de 20, a produção das “Bolo” foi em maior quantidade, pois elas se enquadravam nas restrições do Tratado, com seus canos de 4″ de comprimento e calibre limitado em 7,63mm. As Bolo a partir do serial 650.000 começaram a ser oferecidas com acabamento oxidado brilhante, feito pelo sistema de imersão à quente, em contrapartida à oxidação “a boneca”, bem mais dispendiosa e artesanal.

Uma das últimas séries, fabricadas a partir de 1929, logo após a mudança da razão social da Waffenfabrik Mauser A.G. para Mauser Werke A.G.,  traziam o conhecido Mauser “banner” estampado do lado esquerdo e uma nova trava de segurança novamente redesenhada, onde haviam gravadas a letras S (Safe) e (F (Fire) para melhor identificação da posição (foto ao lado). Esta trava foi denominada de “Universal Safety” e permitia o desarme do martelo em perfeita segurança, sem o mínimo risco de disparo acidental devido a um efetivo bloqueio mecânico de seu curso, em direção ao percussor.

Detalhe da gravação das letras NS entrelaçadas indicando a utilização do novo sistema de trava de segurança “Neue Sicherung” (foto do autor)

Pistola Mauser C96 de 1912 com seu carregador em posição

OS CONTRATOS MILITARES E REPRESENTANTES COMERCIAIS

O primeiro grande contrato fechado com um país estrangeiro foi com a Turquia em 1897, que já havia anteriormente fechado uma aquisição de grande lote de fuzis 71/84. O destino dessas armas, cerca de 1.000 unidades, seria para equipar o Regimento da Guarda do Real Palácio de Constantinopla.

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Mauser C96 da variação “cone-hammer” pertencente ao Contrato Turco de 1897 (coleção particular)

Em 1899 a Mauser fechou um acordo com o Governo Italiano, para equipar a Marinha daquele país. Nesta oportunidade ocorreu uma das mudanças mais notadas nesta série, que é a produção dos painéis lisos, as chamadas C96 “Slab Sides”. As pistolas deste contrato já usavam o martelo tipo “large-ring” e foram produzidas em modelos de 6 e 10 cartuchos de capacidade. Durante esse ano, a Mauser enviou 5.039 pistolas à Itália. Após a finalização desse contrato, algumas peças remanescentes foram vendidas comercialmente, estimadas em cerca de 250 a 300 peças. Em 1910 foi fechado um contrato com a Pérsia de cerca de 1.000 pistolas, bem como para equipar a Polícia Francesa, em 1920, também em número de 1.000 peças. Áustria e Finlândia também tiveram uma participação, embora pequena, nos contratos fechados pela Mauser. A Noruega adquiriu, mas em 1930, algumas comerciais para uso naquele país, bem como a Indonésia, nesta mesma época.

Detalhe de uma C96 “Large-ring hammer” em calibre 7,63mm, capacidade de 6 cartuchos. (Foto de coleção particular)

Detalhe da base do carregador da C96 “Bolo” com carregador de 6 cartuchos. (Foto de coleção particular)

Além desses contratos militares, a Mauser estabeleceu negócios principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos.  Em 1897, fecharam um negócio com a importadora inglesa Westley Richards & Co, Ltd. um acordo de representação no país. Essa “joint-venture” foi uma das mais bem sucedidas obtida pela Mauser, e a Westley Richards se tornou uma grande parceira na Europa. De 1897 a 1905 os registros da Mauser apontam 7.901 pistolas vendidas. Além dessa parceria, outras empresas inglesas como Thomas Bland, Army and Navy Stores, James Braddell e Lang & Hussey adquiriram boa quantidade de C96 para revenda no país. Quase todas essas revendas solicitavam à Mauser para enviarem as armas com suas marcas estampadas na lateral direita do painel da armação.

Uma estupenda “large-ring” Bolo de 1899, calibre 7,63mm, carregador de 6 cartuchos e sua respectiva coronha (Foto de coleção particular)

Nos Estados Unidos, o representante principal era a Von Lengerke & Detmold, estabelecida na 5ª Avenida, em Nova York. Até 1905, cerca de 1.900 armas foram enviadas à eles, devidamente gravadas com o nome do representante. Apesar de que outras companhias como a Pacific Harware and Sales, Hermann Tauscher e Abercrombie & Fitch também revendessem as pistolas Mauser nos USA, nenhuma das armas comercializadas por elas foi encontrada contendo a gravação personalizada da empresa.

Os modelos mais comuns enviados aos Estados Unidos eram os das Mausers “Bolo”, várias delas enviadas também à União Soviética. Como já explicado, são variantes com 0 cano mais curto e a empunhadura em um formato menos arredondado, com base mais achatada. Aliás, o formato padrão arredondado da empunhadura das Mausers, devido à sua remota similaridade a um cabo de vassoura, foi o que acabou “presenteando” a pistola com o pejorativo apelido de “Broom-Handle”.

Uma Mauser “Bolo” modelo “large-ring hammer”, enviada à Von Lengerke & Detmold, com capacidade de 6 cartuchos, sem a alça de mira regulável – note as talas e coronha ricamente ornamentadas.

Detalhe da gravação da empresa importadora, na mesma arma mostrada acima. 

Outro modelo “Bolo” da C96, enviada à V.L. & D dos Estados Unidos, tipo “small-hammer”, com carregador para 10 cartuchos, alça de mira ajustável e placas de empunhadura engravadas

AS MAUSERS EM CAL. 9 MM EXPORT E 9MM PARABELLUM

No decorrer de sua existência, a Mauser C96 utilizou tres calibres, dentre outros de menor importância: o original 7,63X25 (7,63mm Mauser), o 9mm Mauser Export e o 9mm Parabellum. O cartucho 9mm Export, também denominado de 9mm Mauser (9×25) foi lançado pela Mauser em 1908 como alternativa ao 7,63, devido a uma tendência no cenário mundial, tanto civil como militar, de adotar calibres mais altos e com maior poder de parada. O próprio Exército Alemão estava, nesta época, adotando oficialmente a pistola Parabellum como arma regulamentar, em detrimento da própria Mauser, mas em calibre 9mm Parabellum.

O 9mm Mauser ou Export foi, durante muito tempo, o mais potente cartucho deste calibre, suplantando os rivais 9mm Parabellum, e os mais similares, o espanhol 9mm Largo, o 9mm Steyr, o 9mm Browning Long e o 9mm Bergman-Bayard. Porém, como muitos outros dos seus rivais, acabou sendo ofuscado, caindo na obscuridade, pelo sucesso do 9mm Parabellum, principalmente devido à sua dotação pelo Exército Alemão e diversos outros países que fizeram contrato com a D.W.M. para fornecimento das pistolas Parabellum (Luger).

À esquerda vemos o 7,63mm Mauser (7,63×25) 9mm Mauser Export (9×25) e o 9mm Parabellum (9×19).

Apesar do pouco sucesso, a Mauser fechou um contrato com a Pérsia para fornecimento de pistolas neste calibre. Por outro lado, também foi uma boa idéia decidirem lançar a C96 no calibre 9mm Parabellum, pois era impossível não visualizar o futuro promissor do cartucho.

Sendo assim, a partir de 1916 a Mauser começou a fabricar a C96 neste calibre, ainda mais que algumas alas do Governo Alemão sinalizavam um certo interesse na arma, como alternativa às pistolas Parabellum. Praticamente não havia nenhuma diferença física notável entre as pistolas no calibre 7,63mm e no 9mm, a não ser um leve aumento no diâmetro da boca do cano. Por contrato com o governo alemão, produziram-se 136.000 pistolas em calibre 9 mm Parabellum. Poucas diferenças foram necessárias em relação às tradicionais 7,63mm.

Como os cartuchos 9mm poderiam, até de certa forma, serem carregados inadvertidamente nas 7,63mm e vice-versa, uma vez que não havia nenhuma mudança no carregador, a Mauser resolveu identificar  as pistolas em 9mm com um grande número 9 gravado à fogo nas placas da empunhadura, e na maioria dos casos, pintado com tinta vermelha. Essas armas receberam posteriormente, no mercado americano de colecionadores, a alcunha de “Red-Nine”. Além disso a alça de mira é graduada até 500 metros e não 1.000 metros. Cada arma era acompanhada de uma coronha de madeira com um suportes feitos em couro, uma ferramenta de limpesa e uma mola de carregador sobressalente. Algumas dessas “red-nine” são encontradas com a marca da Águia Prussiana gravada na frente do carregador.

Acima uma C96 “Red Nine” com seu clipe em posição de recarregamento, com 10 cartuchos 9mm Parabellum

Já as C96 produzidas em calibre 9mm Mauser Export estão geralmente situadas entre os números de série 80.000 a 90.000 e após a serial 170.000. Vários modelos dessa versão foram fornecidos com as talas confeccionadas em material plástico, similar ao ebonite, em cor preta e com entalhes recartilhados, com o monograma em alto relevo da Mauser Waffenfabrik. Logo após o término da I Guerra, e devido às restrições impostas pelo Tratado de Versalhes, terminou a produção de Mausers neste calibre.

A Mod. 1930, Mod. 1932 M711 “SCHNELLFEUER” e Mod. 1932 M712

Como já dito acima, a partir de 1930 a Mauser redesenhou alguns ítens sobre seu modelo anterior de 1912, principalmente na trava de segurança e um pequeno degrau no cano, localizado logo à frente da câmara. Essas pistolas são conhecidas hoje como as Comerciais mod. 1930, e estampam na lateral esquerda o Mauser Banner, logotipo adotado logo após a mudança de razão social da empresa em 1922. Na verdade a Modelo 1930 é a única variação da pistola Mauser que recebeu essa denominação oficial da fábrica. Anotações encontradas na fábrica indicam que a numeração serial da 1930 iniciou-se por volta de 800.000.

A 1930 apresentava a oxidação à banho quente, de cor negra brilhante, ao invés da oxidação “à boneca”. Além disso, introduzia-se agora uma nova trava de segurança, que recebeu o nome de “Universal Safety”, um sistema que permitia o desarme seguro do cão sem que o percussor fosse atingido. Na época esse sistema gerou controvérsias e a maioria dos possuidores da arma relutavam em arriscar fazer essa operação com um cartucho na câmara. O que é interessante lembrar é que hoje, esse mesmo método é bastante comum nas pistolas atuais que possuem cão externo, sistema que se denomina “decocker”.

Uma C96 Comercial 1930, com as talas de empunhadura em marfim – note o pequeno rebaixo no cano

A Luftwaffe adquiriu 7.800 pistolas do modelo 1930 para uso de seus aviadores. Porém, definitivamente, a C96 não fazia muito sucesso em seu país de origem, mas por outro lado fazia, e muito, sucesso na China. De olho neste mercado, os espanhóis, na época notáveis criadores de réplicas e cópias de várias armas de sucesso, como os revólveres Colt e Smith & Wesson, resolveram também copiar a C96, assunto que trataremos em mais detalhe logo abaixo.

Pior que somente copiar é criar algo novo e diferente, em cima de um projeto existente. E os espanhóis fizeram da C96 uma pistola-metralhadora, capaz de efetuar tiro seletivo, modos automático e semi-automático, e contando ainda com carregadores removíveis de 10, 20 e 30 cartuchos, detalhes que a Mauser ainda não oferecia. Apesar de que o mecanismo interno dessas cópias não era exatamente igual às Mausers, tampouco o esmero na fabricação e qualidade de materiais, ainda assim eram armas que funcionavam bem, detalhe que foi extensamente provado na Guerra Civil espanhola.

Como troco desta “ousadia”, a Mauser resolve também fabricar um modelo baseado na Modelo 1930, mas com a opção de tiro seletivo e carregador destacável para 20 ou 30 cartuchos. A pistola passou a ser denominada modelo 1932, “Schnellfeuer”, literalmente “fogo rápido”. O representante da Mauser, Gustav Genschov, a GECO, publicou a nova pistola em seu catálogo comercial como sendo modelo 711, ou M711, e ela foi lançada no mercado americano com essa denominação, através do importador A. F. Stoeger, Inc., de Nova York.

Porém, em virtude de uma lei estadual, a arma teve sua comercialização proibida, em virtude da possibilidade de ter cadência automática de tiro. Indiretamente a lei acabou afetando todo o mercado norte-americano porque a Stoeger decidiu não comercializar mais a M711 nos USA. Pouco tempo depois, como alternativa legal, a Stoeger inicia a comercialização de outra versão, modelo 712, somente com tiro semi-automático, praticamente uma modelo 1930, mas mantendo o carregador destacável com capacidade de 10 cartuchos.

A Mauser M712, sem seletor de tiro automático, para ser comercializada nos USA. Repare que o carregador removivel da M711 foi mantido. 

Página de um catálogo da A.F. Stoeger de Nova York, oferecendo a pistola Mauser M711. Detalhe interessante que a foto dessa ilustração mostra o seletor de tiro do sistema de Nickl, que foi muito pouco empregado nessas armas. 

Nota do autor: Há uma grande controvérsia em torno dessa nomenclatura de modelos 711 e 712. Aliás, não se sabe quase nada sobre o significado dessa numeração. Usualmente, e isso ocorre até hoje, a 1932 é sempre citada utilizando-se como sendo o modelo 712, ou M712.  A própria Mauser nunca utilizou esses códigos. Eles foram criados pela Gustav Genschov, representantes da marca em vários países do mundo, inclusive aqui no Brasil. Ao que tudo indica, um dos catálogos da GECO da época (década de 30) saiu com um erro na especificação do modelo, ilustrando uma Schnellfeuer como sendo M712. Isso bastou para que o engano se propagasse de forma irrecuperável. Alguns autores de livros sobre as pistolas Mauser acabaram cometendo a mesma falha. Nota-se isso, por exemplo, no livro “The Mauser Pistol”, de Jack Belford e James N. Dunlap. No entanto, o livro do então Major Julian Hatcher, “Textbook of Pistols and Revolvers”, escrito naquela época, em 1935, descreve acertadamente os modelos das pistolas.

Diz Hatcher em seu livro: A pistola 711, devido às restrições do governo em comercializar armas de fogo automático, restringe sua venda somente à pessoas apontadas e regularmente constituídas como polícias estaduais ou municipais, xerifes, agentes prisionais, e militares. A Stoeger continuou fornecendo a 711 para esses casos específicos, mas em todo território norte-americano. No entanto, a Mauser passou a produzir um modelo idêntico à 711 mas sem a opção de tiro seletivo, chamada comercialmente de 712.

A 1932 teve duas versões de mecanismo, ambas de engenheiros colaboradores da Mauser: Josef Nickl e Karl Westinger. Em novembro de 1934, Josef Nickl patenteou seu mecanismo nos Estados Unidos e dois anos depois Karl Westinger fez o mesmo, patenteando outra variação sobre o mesmo tema.

Acima, a patente de Karl Westinger para a Schnellfeuer.

Patente de Josef Nickl, de 1934, sobre o projeto de mecanismo de tiro seletivo da Mauser Schnellfeuer

A diretoria de manufatura da Mauser aceitou as duas variantes como funcionais, sendo que a diferença entre os dois desenhos era muito pequena, basicamente na forma como operava a chave lateral de mudança do tipo de disparo. O sistema de Westinger acabou sendo o mais utilizado na totalidade das então chamadas “Schellfeuer” fabricadas.

Um modelo “Schnellfeuer” com a opção derivada do projeto de Westinger, com sua coronha adaptável e carregador de 10 cartuchos, destacável.

Ao contrário do que ocorreu nas cópias espanholas, a Mauser não fez alterações no mecanismo original da M1930. Os projetos desenvolvidos por Nickl e Westinger eram peças a serem adicionadas, exigindo pouquíssima usinagem e alteração nas peças existentes. Isso facilitou enormemente o início da produção das M1932 em série. Com ela, a Mauser conseguiu ganhar mais alguns mercados ao redor do mundo, sendo que o Brasil foi um de seus clientes, mediante uma encomenda de 500 peças feita pela Polícia Militar do Distrito Federal (RJ) em 1930 e pela antiga Força Pública do Estado de São Paulo.

Detalhe do seletor de tiro automático (R) e semi-automático (N) da Mauser  modelo 711 “Schnellfeuer”

Um dos maiores problemas da Schnellfeuer era sua cadência de tiro excessivamente alta, que ocasionava dois fatos desagradáveis: a rápida falta de munição e a tendência em subir demais a visada durante as rajadas. Nessas versões que vieram para o Brasil haviam algumas marcas em portugues, como as da chave de reversão do fogo seletivo, marcada com N (Normal) e R (Rápido ou Rajada). Hoje, esses exemplares estão praticamente todos nas mãos de colecionadores e de museus da Polícia Militar.

Uma pistola M711 com carregador de 10 cartuchos; note o botão lateral para a retirada do carregador


Os dois lados da “Schnellfeuer” com carregados de 20 cartuchos, coronha de madeira e bandoleira

Em 1936, mesmo depois de uma grande aquisição feita pela Wehrmacht das pistolas Schnellfeuer e cerca de 8.000 armas para uso em algumas tropas de elite, como as SS e para a Luftwaffe, isso não evitou que sua produção fosse interrompida, antes mesmo da eclosão da II Guerra Mundial. A produção total das Schnellfeuer atingiu aproximadamente 100.000 armas.

A variante brasileira “PASAM”

Chamada aqui de PASAM (Pistola Automática Semi-Automática Militar), tratava-se de modificações efetuadas pelo armeiro basco Jener Damau Arroyo, inicialmente sobre 101 pistolas Mauser Schnellfeuer da Polícia Militar do DF; na época a capital federal era o Rio de Janeiro. Segundo o historiador Ronaldo Olive, autor de um muito completo artigo sobre essas armas, as modificações compunham-se de uma peça de metal instalada sob o cano, com um punho pistola, bastante similar ao utilizado nas sub-metralhadoras Thompson modelo 1921. Nessa modificação, a empunhadura original foi mantida, e a tradicional coldre-coronha de madeira continuou a ser utilizada.

Em seguida, numa segunda versão, efetuada sobre outras 89 pistolas, as mudanças incluíram uma coronha tubular de metal, que era fixada a uma empunhadura totalmente modificada em relação à original da pistola. Nas duas versões o cano foi deixado livre, condição essencial para que arma continuasse funcionando, pois o cano necessitava recuar.

Devido à cadência de tiro muito alta, o carregador de 10 cartuchos utilizado nessa arma se esvaziava em menos de um segundo, pois a 800 disparos por minuto temos cerca de 13 disparos por segundo. Essas modificações foram feitas visando um controle da arma bem mais efetivo, mantendo-a na linha de visada com maior facilidade. Se na ocasião tivessem projetado e produzido um carregador com capacidade de pelo menos 30 cartuchos, teríamos quase uma autêntica sub-metralhadora nas mãos.

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Acima, o “modelo 2” da PASAM, com a coronha rebatível de metal e o punho pistola dianteiro – Foto de Ronaldo Olive

Segundo Olive, 295 pistolas Mauser “Schnellfeuer” foram deixadas em suas condições originais de fábrica. Acredita-se que elas foram usadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro até a década de 80, como uma espécie de carabina no modo semi-automático – o fogo automático era reservado somente para ocasiões de emergência. A história brasileira indica o uso da Schnellfeuer,  bem como de outros modelos da C96 até pelos cangaceiros no nordeste brasileiro. Sabe-se que Lampião utilizava as pistolas Parabellum (Lugers) como suas armas pessoais de defesa, mas as Mausers também tinham seu quinhão de fama por lá. Por essa razão, muita gente no Brasil costuma confundir os nomes dessas duas armas e chamam as C96 equivocadamente de “Parabelo”.

CARACTERÍSTICAS GERAIS E MECÂNICAS

Uma das coisas mais fascinantes da pistola Mauser C96 é o seu intrincado mecanismo, digno da fama da engenharia alemã no que tange à concepção, originalidade e engenhosidade. Por dentro de uma aparente caixa oca de metal, esconde-se um mecanismo que em muito se parece com as peças de um quebra-cabeça. Não há pinos usados como articulação, e em toda arma só existe um parafuso: o que fixa as talas de madeira à empunhadura. Outra característica intrigante nessa arma é a sua tremenda facilidade de se adaptar a alterações externas de grande monta. Diversas combinações de comprimento de cano eram feitas sem problemas, bem como alterações em alças de mira, capacidade de carregador, aparência da empunhadura, alterações no desenho do cão, etc. Nenhuma outra pistola semi-automática foi produzida até hoje que possua essa facilidade de mudanças.

Entretanto, duas principais características da arma podem ter sido decisivas para que a C96 não obtivesse muito mais sucesso, principalmente na adoção militar em larga escala. Primeiramente, o problema do cano incorporado à extensão, não podendo ser simplesmente trocado, seja por rosca ou por encaixe, de forma bem conveniente. Numa época em que essa sarmas utilizavam projéteis encamizados e espoleta altamente corrosiva, a corrosão interna das raias era frequente. Em segundo lugar, sua concepção de carregador não destacável, obrigando a sua alimentação através de clipes de metal. Fora isso, existem as críticas, bastante comuns, quanto à sua aparência desajeitada e a falta de uma empunhadura anatômica.

A Mauser C96 é uma pistola semi-automática do sistema “locked-breech”, acionada por curto recuo do cano, ou seja, sua culatra permanece trancada na ocasião do disparo, sistema que possibilita o uso de cartuchos mais potentes uma vez que o ferrolho só é liberado para abrir quando o projétil já saiu do cano e, consequentemente, a pressão interna dos gases caiu a um nível seguro. Para detalhes desses sistemas, veja nosso artigo aqui, neste site.

O peso médio da arma do modelo C96, porque ele depende das diversas variações, é de 1,130 Kg e o comprimento é de 312mm com canos de 5,5″ e de 271mm com canos de 3,9″. Seu alcance efetivo gira em torno de 150 a 200 metros, sendo que com a coronha instalada essa margem aumenta para tiros de longa distância, cerca de 200 a  300 metros.

Os calibres são, basicamente, o 7,63mm Mauser, o 9mm Export, o 9mm Parabellum e o 7,65mm Parabellum. A capacidade das C96 é de 6, 10 ou 20 cartuchos, mas há carregadores maiores para o modelo M712, de 30 cartuchos. Os países que a utilizaram foram, resumidamente, Áustria, Alemanha, Brasil, Finlândia, Itália, Império Otomano, China, União Soviética, França, Espanha e Inglaterra.

DETALHES DO MECANISMO:

Nesta foto, mostra-se uma C96 de 1912 totalmente desmontada. Esse nível de desmontagem não é recomendado  para pessoas não muito familiarizadas com os mecanismos de armas de fogo –  (foto do autor)

Vista interna do lado esquerdo da C96, com o ferrolho aberto – nota-se embaixo do ferrolho os dois encaixes onde se engatam os dois dentes existentes na trava da culatra.

O QUE ACONTECE NA HORA DO DISPARO

Figura 1

Na figura 1, temos a pistola em posição de descanso, descarregada. O elevador dos cartuchos (21) dentro do carregador está na posição superior. O cão (10) está desarmado, bem como a sua mola de pressão (16) está aliviada. O bloco de trancamento (2) está em sua posição normal, e vemos os seus dois engates firmemente travados na base do ferrolho (8). Como o bloco (2) é solidário à armação (15), o ferrolho está firmemente trancado em relação ao cano. Se segurarmos a arma pelo seu cano e tentarmos introduzir uma vareta pela sua boca e pressionarmos contra a cabeça do ferrolho (7), não o conseguiremos mover e abrir a culatra. É a mesma força que o cartucho aplica sobre o ferrolho na hora do disparo.

Figura 2

Na figura 2, supomos que a arma tenha sido disparada.   Devido à expansão dos gases na boca do cano com à saída do projétil, todo o conjunto cano e ferrolho recuam alguns milímetros para trás. Isso faz com que o bloco de trancamento (2) também recue junto, porém, esse movimento força-o para baixo, fazendo com que o seu apêndice (a) penetre no alojamento da armação (9). O bloco (2) também é comprimido pela mesma mola do cão (15). Com essa queda do bloco (2), os seus dentes se soltam da base do ferrolho (8). Os gases remanescentes da queima do propelente, bem como a própria inércia do movimento inicial, permitem que o ferrolho seja arremessado para trás empurrando o cão (10) para que se arme novamente. Neste mesmo movimento, o cartucho vazio, preso ao extrator na cabeça do ferrolho (7), é ejetado para fora. Imediatamente, cessa-se toda a pressão na arma e o ferrolho, por ação de sua mola de retorno (6) volta a se fechar, levando um novo cartucho retirado do levantador (21) e introduzindo-o na câmara (1). O cão permanece armado, pressionando sua mola, aguardando que o gatilho (25) seja pressionado novamente para que o mesmo se solte e percute o novo cartucho batendo no percussor (5). O ferrolho se fechando totalmente, permite que o bloco de trancamento (2) volte a sua posição normal, e engatando seus dois dentes na base do ferrolho.

Na foto superior vemos o ferrolho aberto, o cano levemente recuado, a trava de culatra (vermelha) inclinada para baixo a fim de liberar o ferrolho. Na foto de baixo, a arma em descanso, ferrolho fechado e trancado pela trava (vermelha), que agora tem os seus dois ressaltos encaixados nos rebaixos do ferrolho.

MANUSEIO:

O manuseio básico da arma consiste no seguinte: abre-se o ferrolho, puxando-o com certa força para trás, de um golpe, agarrando em suas duas protuberâncias estriadas na parte traseira. Isso fará o ferrolho correr para trás, engatilhar o cão e ficar travado na posição aberta, pois o levantador de cartuchos dentro do carregador trava o ferrolho pela sua parte frontal.

Na foto da esquerda, a posição correta para se inserir os cartuchos na arma – à direita, todos os cartuchos municiados e com o clipe ainda na posição, o que mantém o ferrolho aberto.

Insere-se por cima, no rasgo existente na janela de ejeção, o clipe municiador com 10 cartuchos; com o polegar empurra-se os cartuchos para dentro do carregador, onde ficarão presos pelos lábios superiores. Ao se retirar o clipe (lâmina) de seu encaixe, o ferrolho se fecha de um golpe, levando para dentro da câmara o primeiro cartucho.

Com o ferrolho fechado e o cão já armado, a arma está destravada e pronta para disparar, ao se puxar do gatilho. No caso das C96, por serem elas pistolas semi-automáticas, a cada disparo o gatilho deve ser pressionado e solto logo em seguida, para se poder efetuar o disparo seguinte. Ao terminar o último dos 10 cartuchos, o levantador de cartuchos do carregador prende a parte frontal do ferrolho, mantendo-o aberto. Para remuniciar, basta inserir novo clipe com 10 cartuchos e repetir-se o processo descrito acima.

DESMONTAGEM PARCIAL:

Não se necessita de nenhuma ferramenta especial para a desmontagem parcial da C96, que é a recomendada e suficiente para limpesa e lubrificação da arma.

Com o auxílio de um punção ou até mesmo a ponta de uma caneta esferográfica, pressiona-se o pino retém da tampa inferior do carregador e puxa-se a mesma para a frente até soltá-la de seu engate.

Isso liberará a tampa bem como a mola do carregador e o levantador de cartuchos.

Segurando a arma pela empunhadura, engatilha-se o martelo e apoia-se a extremidade do cano sobre uma superfície macia, mas firme, para não machucá-lo. Com o polegar direito, levanta-se a trava retém que está situada atrás da arma, bem abaixo do martelo.

Mantendo essa posição do retém, empurra-se a empunhadura com bastante pressão para baixo, fazendo com que a armação deslize nos trilhos da extensão do cano, saindo desta maneira, e totalmente, pela parte frontal.

De cima para baixo: 1) liberando o retém da armação e empurrando-a para baixo;  2) retirando o bloco mestre, soltando-a da trava de culatra;  3) retirando a trava de culatra de sua articulação.

O bloco mestre fica preso ao ferrolho através da trava de culatra. Basta puxá-lo para baixo e o bloco se desprende da trava. Retira-se a trava de culatra de seu encaixe. O bloco mestre pode, agora, ser limpo e lubrificado. No conjunto cano, extensão e ferrolho, tira-se o percussor apertando-o por trás, para dentro, com uma chave de fenda e girando-o 90º para qualquer lado. O percussor sai para fora com sua mola.

Para tirar o ferrolho, mantenha o orifício de saída do percussor bloqueado para evitar o salto da mola recuperadora. Do lado direito do ferrolho, puxa-se para trás o retém que segura a mola; ele se desengata facilmente e pode ser retirado da extensão do cano. A mola recuperadora surge com alguma pressão no orifício do percussor. Agora, o ferrolho pode ser retirado totalmente por trás.

Nesta altura, as peças que temos em mãos são as que se exibem na foto abaixo:

Aqui uma C96 após a desmontada, onde se vê de cima para baixo: ferrolho, percussor com mola e retém do percussor; cano e extensão do cano, na verdade uma só peça; trava da culatra, bloco mestre onde se encontram o martelo, sua mola, a trava de segurança e mecanismo disparador; mais em baixo,  a armação contendo tão somente a tecla do gatilho e as talas de madeira; ao lado, o levantador de cartuchos, mola do carregador e sua tampa inferior.

Vista explodida da C96 na versão “cone-hammer”

AS CÓPIAS ESPANHOLAS

Armas On-Line possui um capítulo destinado à essas interessantes réplicas, ou cópias feitas na Espanha a partir do projeto das Mauser C96. Para conhecer melhor esses detalhes e saber mais sobre essas curiosas armas, leia nosso artigo “Astra, Royal e Azul; rápidas espanholas.

CONCLUSÃO

Não há dúvida nenhuma que, nos meios do colecionismo, a presença de uma pistola Mauser C96, em qualquer uma de suas variações, é presença obrigatória em qualquer coleção de armas. Foi, sem dúvida, um marco histórico e importantíssimo no desenvolvimento das pistolas semi-automáticas, onde ela foi uma das pioneiras e a única, de sua época, que não sucumbiu à grande variedade de outros projetos e idéias, muitos deles até bem mais modernos e com soluções avançadas.

Combatentes das Waffen-SS na II Guerra, um deles se defendendo com uma Mauser Schnellfeuer

Não foi oficialmente adotada em seu país de origem, o que pode ter sido uma das grandes frustrações de seus fabricantes, mas fez sucesso em diversos países longínquos, como a China, sucesso que acabou por ser copiada  também naquele país. Participou de vários conflitos armados ao redor do mundo e era admirada até por adversários históricos de seu país de origem, como a Inglaterra, tanto que foi utilizada por um até então desconhecido oficial do Exército Imperial Britânico, o Tenente Winston Leonard Spencer Churchill, na segunda guerra dos Boeres,  e que, em determinada batalha que ele narra em suas memórias, teve sua vida salva por esta pistola.

Grande, pesada, desajeitada, com sua empunhadura em formato de um cabo de vassoura; e por aí vão mais alguns de seus defeitos… mas nada disso tirou o brilho dessa arma exuberantemente desenhada, mecânica fascinante e dotada de um calibre de alta velocidade e precisão. Enfim, uma pistola clássica como poucas, digna de sua posição honrosa de ter ajudado a construir a história das armas portáteis.

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Written by Carlos F P Neto

14/07/2011 às 11:27