Revólver Smith & Wesson Mod. 1917 – Contrato Brasileiro
Artigo de Douglas Sousa Aguiar Jr. ¹
Considerado por muitos como um dos melhores revólveres já produzidos, o Smith & Wesson Modelo 1917 marcou presença nos dois conflitos mundiais, quando esse tipo de arma já vinha sendo rapidamente sendo suplantado pelas pistolas semiautomáticas. Mais do que isso, foi utilizado pelo Exército Brasileiro em uma carreira que foi dos anos 1930 até o final da década de 1970.
I – UMA SOLUÇÃO EMERGENCIAL
Quando os EUA entraram na I Guerra Mundial, em abril de 1917, a arma de coldre oficial do exército americano era a pistola semiautomática Colt Government M1911, em calibre .45 ACP. Contudo, era evidente que os arsenais do governo possuíam uma quantidade muito inferior de pistolas do que seria necessário para equipar o crescente contingente de tropas que seriam enviados para a Europa.
Na verdade, o exército tinha pouco mais de 150.000 pistolas disponíveis – muito pouco para uma força que chegaria a contar com um efetivo de mais de quatro milhões de homens. Buscado um paliativo para armar seus homens, mas sem criar um pesadelo logístico, o governo americano solicitou que tanto a fábrica Colt, quanto sua concorrente, a Smith & Wesson, apresentassem revólveres que pudessem servir como alternativas para suprir a carência de pistolas, mas utilizando a munição regulamentar .45 ACP.
O principal obstáculo era desenvolver um mecanismo que permitisse que estas armas disparassem a munição .45 ACP desenhada para a pistola. A princípio a munição usada em pistolas semiautomáticas é incompatível com revólveres por conta do desenho do cartucho. Esse problema decorre do fato de que as munições de revólver devem possuir em sua base um culote proeminente, de modo a permitir a extração dos cartuchos deflagrados ou falhos pela “estrela” do extrator, situada no centro do tambor. Esse culote não existe na maioria das munições de pistolas semiautomáticas, como é o caso do .45 ACP, o que torna seu emprego muito difícil e pouco prático em um revólver.
A solução encontrada foi, ao mesmo tempo, simples e brilhante: foi desenvolvido um clipe de metal, no formato de meia-lua, onde eram encaixadas as munições .45 ACP. Os clipes, contendo cada um, três munições, faziam as vezes do culote, possibilitando não apenas a extração das cápsulas mas, também um remuniciamento mais rápido – era o primeiro “speed loader” da história.
Tanto o revólver da Smith & Wesson quanto o da Colt receberam a denominação de Modelo 1917, embora fossem armas diferentes. O Smith & Wesson Modelo 1917 era essencialmente uma adaptação de uma arma de chassi grande (“N-frame”), o “Second Model .44 Hand Ejector”, lançado em 1911, que teve o tambor ligeiramente encurtado para permitir o uso dos clipes de munição e ao qual foi adicionado um passador de fiel (ou zarilho) na porção inferior da empunhadura. O governo americano ficou satisfeito com o resultado e rapidamente fechou contrato com ambas as empresas.
Os revólveres produzidos pela Smith & Wesson, tinham um acabamento esmerado, quase que mantendo o alto padrão das armas comerciais de tempo de paz; as talas da empunhadura eram de madeira lisa, sem ranhuras, zigrinados ou qualquer símbolo do fabricante.
O Modelo 1917 foi desenvolvido na maior armação então produzida pela Smith & Wesson, chamada de “N-Frame”, resultando em um projeto robusto o suficiente para disparar a munição .45 ACP e suportar as agruras do campo de batalha.
II – LUTANDO EM DUAS GUERRAS MUNDIAIS
Um total de cerca de 153.000 revólveres Modelo 1917 foi construído e entregue pela Smith & Wesson até o início de 1919, quando os contratos foram cancelados (outros 150.000 foram feitos pela Colt). Essas armas viram considerável uso pelos os soldados da Força Expedicionária Americana que lutou na Europa entre 1917-1918.
Acima, da esquerda para a direita, (1) soldados fotografados no fim dos anos 40, com o homem à esquerda armado com seu Smith & Wesson M1917 (coleção particular). (2) um soldado a 1ª Divisão de Cavalaria americana faz a manutenção de seu Modelo 1917 em uma pausa nos combates contra japoneses nas Filipinas, em 1944 (US National Archives) e (3) um militar de uma unidade de comunicações do exército americano opera uma mesa de telefonia nos meses que antecedem à entrada do país na II Guerra Mundial, tendo ao seu lado, um revólver M1917.
Extremamente robusto e confiável, mesmo nas trincheiras enlameadas da Frente Ocidental, o Modelo 1917 rapidamente ganhou a confiança das tropas. Era transportado no coldre de couro M1909, que tinha a incomum característica de ter a empunhadura virada para frente, que era chamado de “padrão cavalaria”. Adicionalmente, havia ainda um porta-munição de lona com três compartimentos para transportar os clipes meia-lua. O uso destes revólveres foi severo, pois apenas 91.500 S&W 1917 retornaram para os arsenais do governo após o fim da I Guerra Mundial.
Propagandas divulgadas no período entre guerras
Encerrada a produção para o Exército americano, a Smith & Wesson continuou a oferecer a arma para o mercado civil e policial, com a denominação de “U.S. Army Model 1917”. Nenhuma alteração foi feita em seu projeto, sendo que houve apenas a introdução, em 1920, de uma nova munição denominada .45 AR (Auto Rim), desenvolvida pela Peters Cartridge Company,que nada mais era que a munição da pistola tendo, na base do estojo o culote para remoção dos cartuchos sem o uso dos clipes em meia-lua.
Em 1941 mais uma vez os revólveres Smith & Wesson Modelo 1917 voltaram à ativa para suprir a falta de pistolas Colt M1911A1. Embora nenhum novo pedido tenha sido feito, vários exemplares ainda armazenados foram reformados nos arsenais, ganhando um acabamento fosfatizado, que lhe dava uma aparência cinza-esverdeada fosca, ao invés do azul brilhante original. Um novo coldre de couro, denominado M2, foi introduzido, com configuração normal tendo a empunhadura voltada para trás.
A maioria destas armas seria distribuída à tropas de retaguarda ou que tivessem ficado no front doméstico, como guarda de campos de prisioneiros, policiais militares etc. Contudo, dezenas de milhares destas armas acabaram vendo ação diretamente nas frentes de batalha da Europa e do Pacífico. A título de curiosidade, no filme “Coração de Aço” (“Fury”, 2014), o personagem interpretado por Brad Pitt carrega um exemplar de um Smith & Wesson M1917 em um coldre M3.
A Smith & Wesson manteve o Modelo 1917 em seu catálogo após o fim da II Guerra Mundial, produzindo-o até 1949, totalizando cerca de 210.000 armas produzidas. No ano seguinte a empresa lançou o “Modelo 1950”, trazendo mais opções de comprimento de cano, um novo modelo de empunhadura, miras reguláveis, e protetor integral da “caneta” ejetora. Renomeado “Modelo 22” em 1957 essa arma permaneceu em catálogo até 1988 quando foi sucedido pelo Modelo 625.
II – O CONTRATO BRASILEIRO
Em 1937 o Exército Brasileiro estava em meio a um programa de modernização de seu equipamento. Era o primeiro processo de rearmamento relativamente organizado que ocorria no país desde os idos de 1908-1910, quando se adotou como arma de porte do Exército Brasileiro a pistola Luger, em calibre 7,65mm Parabellum.
No entanto, nos anos 30, a maioria das 5.000 Lugers já estava no fim de sua vida útil, depois de quase três décadas de uso severo. Para piorar a situação logística, desde meados da década de 1920, as Forças Armadas vinham comprando em caráter emergencial revólveres Colt e Smith & Wesson em calibre .38 Special ou suas cópias espanholas não-autorizadas, em quantidades que ainda não se sabe precisar.
Deste modo, o Exército decidiu padronizar seu armamento, elegendo como novo calibre regulamentar o .45 ACP americano. Em seguida foram firmados dois contratos de fornecimentos de armas: um com a Colt Firearms, para o fornecimento de 14.500 pistolas M1911A1 e outro com a Smith & Wesson, para o fornecimento de 25.000 revólveres do Modelo 1917.
O belo brasão de armas da República gravado na lateral da armação do revólver M1917
A escolha simultânea pelo revólver explica-se pelo fato de ser uma arma mais fácil de instruir e manejar quando comparada com a pistola semiautomática. Designado “Modelo 1937” (e, mais tarde, Rv .45 M937), ele era destinado aos graduados da infantaria, cavalaria, artilharia e, mais tarde, também por unidades da Polícia do Exército, entre outros.
O revólver adotado pelo Brasil era praticamente idêntico ao modelo usado na I Guerra Mundial, com gatilho com sulcos, passador de fiel na porção inferior do cabo, as inscrições “Made in USA” no lado direito do chassi e “S&W D.A. 45” no lado esquerdo do cano (D.A. significando “Double Action” ou dupla ação). Os cabos de madeira podiam ser zigrinados com o dístico do fabricante (mais comuns nas armas vindas antes da II Guerra Mundial) ou de madeira lisa sem símbolos (na maioria das vezes vista nas armas vindas em 1946-47). Muitas armas possuem, ainda, um número de inventário do Exército brasileiro, marcado na parte posterior da empunhadura.
Acima, as duas faces de um grande guerreiro, um modelo da primeira remessa enviada ao Brasil em 1937, coleção particular.
Sua principal marca são as Armas do Brasil, lindamente gravadas no lado direito, entre o tambor e o cão, trazendo a data “1937” logo abaixo. Os revólveres do contrato brasileiro não tinham uma numeração de série exclusiva, sendo alocados dentro da numeração contínua da empresa, que havia começado em 1917. O número de série era marcado na base da empunhadura (junto com o zarilho), no tambor e na porção inferior do cano.
Acima, o posicionamento das marcas do revólver S&W M 1917
A primeira parte do contrato, abrangendo 25.000 armas com números de série situados entre 181983 e 207043, foi adquirida diretamente pelo então Ministério da Guerra e entregues em lotes diversos entre o fim de 1937 e início de 1938, diretamente no Rio de Janeiro. Essas armas possuem um acabamento primoroso, equiparável a armas destinadas ao mercado comercial, já que, de acordo com o historiador Roy G. Jinks, àquela época a Smith & Wesson estava ainda com capacidade de produção ociosa ainda sentindo os efeitos da Grande Depressão. Com isso, a empresa pôde dedicar um tempo acima da média no ajuste final das armas deste contrato, que veio em muito boa hora.
Logo após a II Guerra Mundial, em 1946, o governo brasileiro fez uma compra complementar de 12.000 armas. Desta vez, Smith & Wesson enfrentava outro tipo de problema: a produção do tempo de guerra tinha se dedicado a outros modelos (como o “Victory Model” nos calibres .38-200 e .38 Special) e a produção de novas partes para atender essa encomenda seria quase que impossível.
Ao lado, um sargento do Exército Brasileiro, nos anos 50, com seu revólver S&W 1917.
Por um lance de sorte a empresa encontrou em seus armazéns um antigo estoque de partes sobressalentes da produção feita durante a I Guerra Mundial para o exército americano – o suficiente para atender ao pedido brasileiro. No entanto, o resultado é que as armas desse lote possuem uma numeração de série completamente dispersa.
Embora a maioria das armas da remessa do pós-guerra esteja concentrada entre os números 166000 a 175150 e 207196 a 209878, não são raros exemplares com números de série fora destes grupos e mesmo com apenas quatro dígitos. Pela mesma razão, nem sempre eles possuem a numeração coincidente entre o chassi, tambor e cano. Esses últimos 12.000 revólveres deixaram a fábrica em 01 de maio de 1946 e foram entregues para o Sr. John Block, da cidade de Nova York, então atuando como agente de compras para o governo brasileiro.
Essas armas eram distribuídas às tropas em resistentes coldres de lona, sendo observados tanto na configuração “Mills” (inspirada no equipamento britânico), que se caracterizava por possuir dois passadores para fixação no cinto em seu verso – muito utilizado no Brasil entre as décadas de 1910 e 1940 – quanto na chamada configuração “N.A.” (norte-americana), com uma presilha de metal para fixação no cinto de mesma procedência.
Embora a maior parte do contingente da FEB somente recebeu suas armas e equipamento após desembarcar na Itália, um número de revólveres Modelo 1917 tomaram parte da campanha da Itália durante a II Guerra Mundial nas mãos dos soldados brasileiros. Isto porque alguns militares, por conta de suas funções ou de sua patente, já saíram armados com eles do Brasil, tais como membros da Polícia do Exército e alguns oficiais que davam preferência ao uso do revólver em relação à pistola.
Depois da guerra, embora tenha sido suplantado em importância pelas pistolas M1911A1 adquiridas em programas de cooperação militar Brasil-EUA, o Modelo 1917 continuou em uso por muito tempo antes de serem finalmente retirados da ativa em meados da década de 1970.
Acima, modelo da segunda remessa ao Brasil, acompanhado do coldre de lona, do cinto padrão “N.A.” e da baioneta do fuzil Mauser M1908
Infelizmente para os colecionadores brasileiros, a maioria dos exemplares sobreviventes (cerca de 14.000 armas) foi vendida para negociantes de sobras militares norte-americanos entre 1989 e 1990. A princípio, naquele mercado foram considerados como armas para prática de tiro e mesmo defesa, com vários exemplares sendo modificados, com novos canos e empunhaduras. Apenas recentemente percebeu-se seu valor como uma arma histórica, de modo que seu valor tem crescido nos últimos anos.
A configuração padrão “N.A.” (Norte -Americana), de coldre e cinto.
Assim, o Smith & Wesson Model 1917 (ou Modelo 1937), tendo servido em duas guerras mundiais, tanto no exército americano quanto nas fileiras do Exército Brasileiro (por cinco décadas), deve ter lugar garantido em qualquer coleção séria de armas militares.
FICHA TÉCNICA:
Fabricante: Smith & Wesson (EUA)
Comprimento total: 274 mm
Comprimento do cano: 140 mm
Calibre: .45 ACP
Capacidade: seis cartuchos
Peso (descarregado): 1020 gramas
Cabos: madeira
Miras: fixas
¹ Advogado (USP) e pesquisador autônomo de história militar há mais de vinte anos, com foco em armas portáteis do período compreendido entre 1850 e 1945. Possui com trabalhos publicados no Brasil e no exterior e responde atualmente pela Curadoria de Armamentos do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
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