U.S. Rifle .30, M1 (Fuzil “Garand”)
Não é tarefa fácil para qualquer autor elaborar um artigo sobre aquele que foi um dos mais venerados e elogiados fuzis militares. A infinidade de referências já existentes para essa arma só é comparável a que se encontra para algumas outras poucas armas, verdadeiros ícones como os revólveres Colt e Smith & Wesson e as pistolas Luger e Mauser.
Porém, como aficionado por essa arma, acho que também mereço o meu lugar na mídia e poder prestar aqui a justa homenagem que essa brilhante peça de engenharia merece, tanto pela sua competência e alta confiabilidade em combate como pela sua importância histórica e sua participação em conflitos armados.
Paraquedista norte-americano, armado com seu M1, rende um soldado alemão, na França.
Os Primórdios
Se voltarmos no tempo, anos finais da I Grande Guerra, e verificarmos o cenário das armas leves, automáticas ou semi-automáticas, veremos que a idéia de um fuzil semi-automático não é tão recente. Em 1887, o general mexicano Manuel Mondragón patenteou um fuzil operado pela ação dos gases da combustão da pólvora coletados no interior do cano, que acionavam um êmbolo (pistão) que por sua vez destrancava um ferrolho rotativo. Embora com algumas variações, este é um sistema mais que familiar em armas deste tipo, até os dias de hoje. Devido à Revolução Mexicana, que por motivos diversos não permitia que o fuzil fosse fabricado em larga escala, o projeto acabou sendo enviado à Suíça e os fuzis passaram a ser produzidos pela Schweizerische Industrie Gesellschaft (SIG), de onde eram posteriormente enviados de volta ao México. Antes da I Guerra o México já estava produzindo o Mondragón em diversas fábricas do país e alguns anos antes da explosão da II Guerra, em 1930, foi oferecido e adotado por forças militares de diversos países, inclusive o Brasil, tendo sido fabricado até meados de 1943.
O Fuzil Semi-Automático e Automático Mondragón M1908, fornecido ao México pela SIG em calibre 7X57 (7mm Mauser)
Outros dois exemplos interessantes surgiram na França: o primeiro foi o fuzil “metralhador” adotado em 1917, o C.S.R.G., iniciais que significam Chauchat, Suterre, Ribeyrolle et Gladiator. Os tres primeiros nomes são os dos seus projetistas e o último, do fabricante da arma, Établissements des Cycles “Clément-Gladiator”, um fabricante francês de bicicletas. Apesar de sua aparência estranha, era bem revolucionário em sua concepção, tanto que fez enorme sucesso militar no cenário da I Guerra, chegando até a ser utilizado pelas forças norte-americanas, adaptado para o calibre .30-06 Springfield, ao invés do padrão 8mm X 50R, cartucho que era utilizado pela França em seus fuzis de repetição Bertier e Lebel. Essa arma, apesar de que, pelos conceitos atuais, acredito eu ser um fuzil semi-automático com tiro seletivo, na época era chamado de metralhadora leve; mas pela sua inovação e criatividade, resolvi citá-lo aqui também como referência.
O Fuzil “Metralhador” Leve de projeto francês: C.S.R.G. – Chauchat, Suterre, Ribeyrolle et Gladiator, em calibre 8X50R. O carregador em forma de meia-lua era resultado do fato dos cartuchos 8X50R possuírem um acentuado formato cônico e serem dotados de aro (rimmed).
O segundo exemplo era um desenvolvimento dos mesmos idealizadores do CSRG; trata-se do fuzil R.S.C. Mle.1917, também em calibre 8X50R mas com opção sòmente de tiro semi-automático, destinado principalmente a substituir gradativamente os obsoletos fuzis de repetição Lebel. Cerca de 80.000 fuzis deste tipo foram produzidos pela Manufacture D’Armes St. Etiènne para suprir as tropas francesas em 1917 e em 1918. Veremos mais adiante uma estreita relação que essa arma possui com o alvo principal de nosso artigo.
O fuzil semi-automático RSC Modelo 1917, capacidade para somente 5 cartuchos calibre 8X50R, seria a arma destinada a substituir gradualmente os fuzis de repetição do Exército Francês.
Claro que não podemos nos esquecer do fato que, ainda nesta época de final do conflito, o Corpo Expedicionário Norte Americano começou a utilizar em escala reduzida o recém lançado Browning Automatic Rifle, 0 B.A.R., desenvolvido por John M. Browning em 1917, a pedido do Governo dos Estados Unidos; a princípio, era para ser um fuzil semi-automático, como aliás ele realmente era, na sua primeira versão, sendo depois modificado para tiro seletivo.
Porém, com o armistício em 1918 e a paz novamente reinando na Europa, a assinatura do Tratado de Versailles limitou de forma muito restrita a liberdade e capacidade dos países derrotados de produzirem novas armas. Mas a bem da verdade , nenhuma outra grande nação que participou do conflito se dedicou à tarefa de desenvolver um projeto totalmente novo de uma arma longa de infantaria, com poder de fogo semi-automático, mas que fosse, ao mesmo tempo, leve, potente e de alta capacidade de munição. Mesmo no cenário do exército Norte-Americano, vemos somente a opção do B.A.R. que era, definitivamente, um projeto longe de atender o requisito de portabilidade, com seus quase 9Kg de peso, sendo um verdadeiro martírio para o infante que o transportava.
Fuzil Automático Browning (BAR) modelo 1918A2, em calibre .30-06, adotado pelo governo dos USA durante a I Grande Guerra – apesar de diversos problemas inerentes ao projeto, foi largamente utilizado na II Guerra e também na Guerra da Coréia.
Tal como todas as armas que J. M. Browning desenvolvia, o BAR apresentava uma excelente robustez e confiabilidade, mas infelizmente acompanhadas de problemas crônicos: o excesso de peso, a baixa capacidade de seu carregador de 20 cartuchos, que se esvaziava com grande rapidez e uma certa dificuldade no controle em fogo sustentado, por parte do atirador. Os modelos posteriores ao de 1917 tiveram a inclusão de um regulador de cadência de tiro, para minimizar o problema de gasto excessivo da munição. Mesmo assim, no cenário da II Guerra, ele foi muito importante para o fogo de cobertura no avanço dos pelotões de infantaria, visto que os USA não dispunham de uma metralhadora leve que pudesse ser transportada no dia a dia pelos batalhões de reconhecimento. As metralhadoras Browning .30 modelos 1917 e 1918, por seu peso e porte, não eram, decididamente, armas para esta finalidade.
O desenvolvimento
Baseado em toda essa experiência avaliada nos teatros de guerra, o governo norte-americano foi talvez um dos poucos países do mundo a investir em um projeto de uma arma individual de infantaria, totalmente nova, com um poder de fogo avantajado, precisão, portabilidade e confiabilidade em qualquer tipo de terreno e condições climáticas. Precisamos lembrar que na I Guerra, o Corpo Expedicionário Norte-Americano contava com dois fuzis de repetição como arma regulamentar de infantaria: o Springfield 1903 e o US Enfield mod. 1917, ambos utilizando o cartucho .30-06. Como opção de arma automática, o Corpo utilizou o fuzil frances C.S.R.G, transformado para o calibre padrão americano. O US Enfield 1917 foi, digamos assim, uma arma emergencial, pois na verdade a sua produção fazia parte de contrato de alguns fabricantes americanos para suprir demanda do Governo Britânico. A pouca oferta dos Springfield 1903 fizeram com que o US Enfield fosse usado, principalmente, por tropas em treinamento antes e durante a I Grande Guerra.
Acima, os dois fuzis em uso no Exército dos USA durante a I Guerra Mundial, e depois substituídos na sua totalidade pelo Garand M1, por volta de 1940. No alto, o Springfield 1903 e abaixo o Enfield 1917; estes últimos eram fornecidos ao Exército Britânico em calibre .303, e ambos utilizavam uma ação tipo Mauser, modificada.
A partir de 1920, o U.S.O.D. (United States Ordnance Department), começou a avaliar vários protótipos de fuzis semi-automáticos, dentre eles o Thompson Semi-Auto Rifle, desenhado pelo mesmo projetista da famosa sub-metralhadora, e o fuzil Roth, que utilizava um sistema denominado de “primer-system”, usando um cartucho dotado de uma espoleta especial que, ao se projetar para fora da cavidade durante o disparo, impulsionava um pequeno êmbolo no ferrolho para abrir a culatra. Era um sistema complicado e não muito confiável, exigindo um cartucho totalmente diferente dos comuns.
Foi bem nesta época que entrou em cena um projeto de um desconhecido canadense de Quebec, nascido em família francesa, chamado Jean Cantius Garand. Ele teve uma infância relativamente pobre em Quebec mas desenvolveu um interesse muito grande em diversos mecanismos e sistemas, de um modo quase que obcessivo. A família se muda para os Estados Unidos e Jean se naturaliza norte-americano, mudando seu nome para a forma anglicana de John Cantius Garand. Abrindo um parêntese, aqui no Brasil alguns autores optam pela pronúncia do nome popular do fuzil na forma inglêsa, com a tônica na primeira sílaba (“gárand” ou “guérand”), ou às vezes usam-no na forma francêsa, tônica na última sílaba, algo como (“garran” ou “garan”).
Já como funcionário do arsenal de Springfield, Garand começou a trabalhar no projeto de um novo fuzil, onde ele também optou em utilizar o “primer-system”, bem similar ao do Roth, mas com algumas modificações visando simplificar o desenho. O problema é que uma resolução do U.S.O.D. sinalizou como sendo uma das premissas básicas da nova arma o uso do cartucho padrão calibre .30-06, utilizado pelo país desde 1906 e o “primer-system” exigiria um cartucho diferente, o que iria causar transtornos de compatibilidade com os fuzis de dotação na época: o Springfield mod. 1903 e o U.S. Enfield mod. 1917 (ver fotos acima).
Na foto, J. C. Garand em teste com um de seus primeiros protótipos.
Paralelamente ao projeto de John Garand, havia outro concorrente muito importante, desenhado pelo americano J. D. Pedersen, que em 1923 já possuía um protótipo de fuzil num calibre próprio, denominado .276 (7mm x 51) Pedersen.
Este fuzil utilizava um sistema de culatra muito similar ao estilo das pistolas Parabellum (Luger) e das metralhadoras desenhadas por Hiram Maxim; a famosa ação de joelho (toggle-joint). Na verdade se tratava de um sistema classificado mais como sendo “delayed-blowback” do que para “locked-breech” (Veja o artigo sobre Sistema de Trancamento de Culatras neste site).
Nesta época, mesmo que o fuzil Pedersen não tivesse ainda sido aceito oficialmente para uso das Forças Armadas dos USA, foram fabricados cerca de 65.000 fuzis, já em calibre 30-06, e há notícias de que alguns chegaram até a ser utilizados no início da campanha americana na II Guerra.
Detalhe da culatra do fuzil Pedersen, com seu ferrolho do tipo “toggle-joint” na posição aberta, sistema muito similar ao utilizado nas pistolas Parabellum (Luger). O clipe municiador comportaca 10 cartuchos, sistema bifilar.
Acima, o protótipo de J. C. Garand, ainda em calibre .276 Pedersen, tal como foi apresentado para testes em 1929 e 1930 e ambaixo, detalhe da culatra aberta. Já havia uma similaridade muito grande deste desenho com o que finalmente seria adotado em 1936.
Em 1929, John Garand providenciou alguns protótipos em calibre .276 Pedersen para serem avaliados pelo Aberdeen Proving Group, um tipo de campo de provas do governo norte-americano destinado a testar e aprovar as armas destinadas às Forças Armadas, que descartou diversos outros protótipos, apresentados por Browning, Holek, Colt, o próprio Pedersen e o Thompson, em favor do modelo apresentado por Garand.
Como base do seu projeto, Garand optou por algumas soluções muito interessantes e outras controversas. O sistema de ferrolho rotativo destrancado pela ação de gases tomados por orifício no interior do cano da arma foi uma das mais sensatas, tanto que é até hoje usado na maioria dos fuzis modernos, com pequenas modificações.
A opção por um clipe de munição avulso e descartável, mais ou menos ao estilo Mannlicher, não foi decididamente um de seus pontos fortes. Apesar de funcionar bem, não permitia o recarregamento parcial enquanto estivesse dentro da arma; o mesmo teria que ser ejetado manualmente para que se colocassem cartuchos adicionais. Não era possível usar a arma de forma normal sem o clipe, a não ser alimentando-se os cartuchos a cada tiro, manualmente inserindo-os diretamente na câmara. O clipe, com suas abas laterais, servia como retém e como guia para a saída dos cartuchos e sua posterior alimentação na câmara.
Ao lado, o clipe do fuzil M1 com seus 8 cartuchos, sistema bifilar.
Havia também o intrigante mas não tão sério problema do ruído causado pela ejeção do clipe, algo que comentaremos a seguir. Em combate, o soldado recebia sua cota de cartuchos já devidamente inserida nos clipes e o mesmo era descartado durante a ação.
O que causa estranheza, é isso é uma opinião pessoal, é o que levou Garand a optar por esse sistema de clipes, uma vez que já existiam há mais de 10 anos projetos utilizando carregadores destacáveis e de mais capacidade, bem mais práticos e eficientes, tal como o que se usava em outra arma já adotada pelos USA: o Fuzil Automático Browning. Seria algo como se Garand já tivesse empregado exatamente a mesma solução que seria usada mais tarde no sucessor de sua arma, o fuzil M14.
Por volta de 1930, o Gen. Douglas MacArthur, então chefe do Staff do Aberdeen Proving Group, afortunadamente, pediu para que Garand alterasse o fuzil para o cartucho .30-06. Durante os anos de 1931 e 1932, Garand trabalhou árduamente para melhorar e solucionar alguns problemas de quebras de ferrolho e mal funcionamento em geral. Em Agosto de 1933, o protótipo denominado de T1E2 foi enviado para testes de campo nas unidades de cavalaria e infantaria do Exército.
Diversos problemas foram relatados e mais uma vez, modificações tiveram de ser feitas. Finalmente, em 9 de janeiro de 1936, o fuzil foi oficialmente adotado pelo Governo Norte-Americano com o nome oficial de U.S. Rifle Caliber .30, M1. tornando-se o primeiro fuzil semi-automático a ser adotado como arma regulamentar por qualquer país do mundo, até então. O início da produção em massa foi meio conturbado, com diversos problemas que, aos poucos, foram sendo solucionados. Por volta de 1939, a produção normalizada já era uma realidade e o Arsenal de Springfield já produzia os fuzis a razão de cem por dia. O componente mais crítico da arma ainda era o cilindro e êmbolo de gas, o que ainda em 1940, forçava algumas alterações.
Os fuzis que haviam sido fabricados anteriormente à esta data eram trazidos de volta para reparos e troca dos componentes. No final de 1940, só em Springfield a produção atingia 18.000 armas/mes e um pouco antes de 1942, todo o Exército já estava equipado com o Garand. Foto: John C. Garand com um M1 já de produção final.
Em 1941, um concorrente do M1 foi apresentado a uma comissão militar americana, desenvolvido por Melvin Johnson; um fuzil semi-automático de curto recuo de cano, também em calibre 30-06, com um inusitado magazine rotativo para 10 cartuchos. A essa altura, mesmo que essa arma apresentasse algumas pequenas vantagens sobre o Garand, o que na realidade não ocorreu, era tarde demais para ser aceita como regulamentar. Apesar de bem construída, o fuzil de Johnson não conseguiu sucesso nem no Exército e nem na Marinha.
O fuzil semi-automático Johnson, de 1941, em calibre 30-06, um concorrente que não estava à altura do M1
Entrada em serviço
Com o ingresso dos USA no teatro de operações do Pacífico, após o incidente de Pearl Harbor em dezembro de 1941, a indústria americana partiu para a produção em massa do M1, a todo o vapor, envolvendo além do Arsenal de Springfield tradicionais fabricantes de armas americanos como Remington, Winchester e Harrington & Richardson, dentre outras. Desta forma, os Estados Unidos se tornou o único país do conflito, tanto do lado aliado ou não, a possuir, praticamente, toda a sua infantaria equipada com um fuzil semi-automático. Isso dava aos Estados Unidos uma significativa vantagem no poder de fogo da infantaria contra o inimigo, lembrando que a Alemanha, Itália e Japão utilizavam fuzis de repetição em mãos da maioria dos combatentes. No caso da Alemanha, a presença de armas como os Gewehr 41 e 43 era muito tímida perante o que se via no lado do combatente americano. No cenário aliado, tanto França, Inglaterra como Rússia também não possuiam este tipo de arma equipando a maior parte de seus infantes.
O fuzil .30 M1, aqui em duas de suas várias configurações definitivas. Neste exemplar inferior pode-se ver a variante que possuía a parte posterior do guarda-mato em forma de aro fechado, que poderia ser usado para a inserção de um varão ou mesmo a ponta de um cartucho para facilitar a desmontagem.
Após o término do conflito, muitos dos fuzis foram trazidos de volta aos arsenais americanos e passaram por uma recuperação maciça. O conflito da Coréia, de 1950 a 1953 foi outro palco de operações onde o Garand continuou em uso, e sempre merecedor da confiança e simpatia dos soldados. Indubitavelmente, essas duas grandes atuações em conflitos de grande porte e uma diversidade enorme de clima e terreno, foram mais do que suficientes para transformar a arma num mito, adorado pelos usuários. A partir de 1953, a produção do M1 continou nos USA, tanto em Springfield como na Harringtos & Richardson, terminando em 1965, embora já em 1959 tivesse sido substituído pelo M14. Lembramos que até na Guerra do Vietnã haviam alguns combatentes americanos ainda equipados com o M1. Estima-se a produção total do fuzil M1 em cerca de 6.000.000 de unidades.
Acima, um Garand M1 produzido pela Pietro Beretta, em calibre .308 Winchester, no período pós guerra.
O sucesso e desempenho do projeto do M1 foi tão bom que seu sucessor, o M14, era derivado diretamente dele. O mecanismo da culatra e mecanismo de disparo eram os mesmos, porém agora com a opção de tiro seletivo. Mudou-se o calibre para o mais curto e mais leve 7,62X51 NATO, eliminou-se o controverso clipe em favor de um carregador destacável de 20 cartuchos e foram feitas mudanças externas para alivio de peso e alteração na tomada de captação dos gases. O M14 foi adotado em 1959 e permaneceu em serviço até 1970.
O US Rifle 7,62mm, M14, substituto do Garand como arma padrão de infantaria do Exército Norte-Americano, em 1959. Nota-se a grande similaridade desta arma com sua antecessora, da qual herdou, felizmente, as grandes virtudes.
Com a adoção do M14 como arma regulamentar, o Departamento de Ordenança do governo americano estava, na verdade, substituindo muito mais que um simples fuzil mas sim, um conjunto de armas de uso da infantaria: o próprio Garand M1, a carabina .30M1 e o fuzil automático Browning, o B.A.R.
Uma vista explodida do fuzil M1 onde se pode observar uma razoável simplicidade e baixa quantidade de peças, quando se compara a outros desenhos de armas similares. Podia ser desmontado em quase toda a sua totalidade sem o uso de nenhuma ferramenta.
Funcionamento e utilização
O fuzil Garand M1 é uma arma semi-automática, sem opção para tiro seletivo; isso quer dizer que mesmo se mantendo pressão sobre o gatilho, após um disparo, é necessário que se alivie a pressão e se pressione novamente para efetuar o disparo seguinte. Seu sistema de recuo se baseia na tomada ou aproveitamento parcial dos gases oriundos da combustão da pólvora para executar o ciclo completo da arma, ou seja, a ejeção do cartucho deflagrado e a inserção de novo cartucho na câmara. No caso do M1, essa tomada é feita através de um orifício bem próximo à boca do cano, na parte inferior do mesmo. Parte dos gases penetrando por essse orifício entram em um cilindro vedado onde se move um êmbolo, ou pistão, o qual é pressionado para traz e ligado a uma espécie de varão. O deslocamento deste varão libera o ferrolho, fazendo-o girar uns 20 graus no sentido anti-horário e liberar seus dois ressaltos dos respectivos encaixes nas paredes da armação.
Na figura ao lado, que pode ser ampliada, vemos o momento em que o projétil está quase a deixar o interior do cano. Os gases em expansão que o empurram neste trajeto, encontram o orifício no cano e parte deles penetram por ele atingindo o tubo onde se encontra o pistão. Desta forma, os gases pressionam este pistão para trás em um curso de cerca de uma polegada. Este sistema acabou sendo o “Calcanhar de Aquiles” da arma, culpado por inúmeros problemas durante os testes iniciais. Era feito de aço inoxidável, novidade em armas na época, para evitar a corrosão interna.
Neste desenho acima, que poderá ser visto em escala maior clicando-se na imagem, podemos ver em detalhe o que ocorre logo após pressionarmos o gatilho, tendo sido a arma municiada com seu clipe carregador (E) e o ferrolho fechado. Vemos aqui o cartucho (A) inserido na câmara, já sem o projétil, pois acabou de ser detonado pelo percussor (B), golpeado que foi pelo martelo ou cão (C), pressionado pela mola (D) e anteriormente liberado pela tecla do gatilho (F). A trava de segurança (K) se encontra, claro, na posição de tiro.
No detalhe de baixo deste desenho vemos um esquema, vistos por cima, do ferrolho (I), a tecla do acionador do ferrolho (J) e o varão (H) e sua mola de retorno. A outra extremidade do varão penetra no tubo (L) que contém o êmbolo, ou pistão, que recebe a ação dos gases na extremidade do cano.
Vista superior da culatra do M1 – vemos a “orelha” para que se possa puxar o ferrolho para traz e os dois ressaltos, um de cada lado, na cabeça do ferrolho. O botão lateral que se vê do lado esquerdo é utilizado para se ejetar o clipe de dentro da arma, quando ainda carregado parcialmente.
Vista superior do Garand com seu ferrolho aberto, onde se pode ver o levantador do clipe de munição, peça que também mantém o ferrolho aberto. Embaixo, o clipe municiado com 8 cartuchos pronto para ser inserido na arma. O fuzil não permite seu funcionamento sem ele, a não ser que os cartuchos sejam municiados um a um diretamente na câmara.
De um modo geral, a utilização e manuseio do fuzil M1 é bastante simples. Carregamento: com o dedo indicador direito puxa-se vigorosamente para traz a “orelha” do acionador do ferrolho. Percebe-se aí a leve rotação anti-horária do ferrolho no início deste movimento. Este, então, permanece aberto, tal como na foto acima. Com um clipe já carregado, o introduzimos com firmeza no receptáculo usando o polegar direito, não importando a sua posição (o clipe é idêntico em ambos os lados). Assim que estiver bem pressionado no fundo do receptáculo, tiramos rapidamente o polegar de dentro da arma pois o ferrolho é liberado neste momento, podendo em alguns casos “morder” o dedo do atirador. Esse evento é bem conhecido dos usuários do fuzil e conhecido como “Garand Thumb”. Porém, não há risco de ferimento sério pois a pressão da mola de retorno não é muito alta.
Ao lado, detalhe do botão para ejetar clipes ainda carregados.
Uma solução interessante para evitar o problema é pressionar o clipe para dentro da arma com o polegar, mas com a mão espalmada e bem ao lado da arma, mantendo a parte posterior da palma da mão, logo abaixo do dedo mínimo, encaixada na orelha do acionador. Tira-se o polegar fora do caminho do ferrolho, antes de soltar a mão da orelha do acionador. Em alguns casos, o ferrolho necessita de uma ajuda e precisa levar um pequeno golpe com a mão para inserir o primeiro cartucho na câmara.
A trava de segurança se encontra defronte ao guarda-mato, e possui um orifício que poderá até ser usado para se colocar um cadeado, como segurança evitando o seu uso. A posição destravada é quando a peça é empurrada para a frente, o que pode ser feito pelo dedo indicador. Puxando-se para trás, quando ela penetra para dentro do gurda-mato, a arma se encontra travada.
Foto ao lado, detalhe da trava de segurança na posição “unsafe”.
Com a arma destravada, pressiona-se o gatilho uma vez para cada disparo. Após o último cartucho detonado, o ferrolho permanece na posição aberta e lança para o alto o clipe vazio, um evento que gera um ruído característico, como um “pling”, bem audível. Dizem que durante a II Guerra, soldados reportavam que esse ruído era rapidamente assimilado pelos inimigos, que ao ouvi-lo, sabiam que a arma estava desmuniciada e podiam se aproveitar deste lapso de tempo da recarga para efetuar um contra-ataque. Realidade ou ficção, a verdade é que alguns técnicos americanos começaram a trabalhar no desenvolvimento de clipes plásticos ou revestidos com algum material externo para minimizar o barulho, o que de fato nunca ocorreu. Quando se deseja guardar a arma por um bom tempo, procede-se da seguinte forma: abre-se o ferrolho, extrai-se o clipe através do botão retém; segura-se o ferrolho aberto com o dedo indicador da mão direita e com o polegar esquerdo, aperta-se para baixo o levantador de cartuchos, soltando o ferrolho com cuidado e devagar, para que o mesmo passe por cima do levantador. Aconselha-se também, antes desse procedimento, colocar um cartucho vazio já detonado na câmara e pressionar o gatilho para que o martelo fique em posição desarmado.
Na foto ao lado, vemos a alça de mira em detalhes, que podia ser ajustada milimetricamente, com a ajuda das duas pequenas roldanas que dispunham de “cliques” de travamento. O ajuste pode ser feito lateralmente ou na posição vertical. Diga-se de passagem, pelo próprio conceito ergonômico da arma, o M1 tinha uma fantástica “mira instintiva”, quando em combate e em mãos de soldado bem treinado.
Foto: dois fuzis M1, fabricação Springfield e International Harvester.
O M1 quando devidamente bem conservado e limpo, era uma arma de extrema confiabilidade, requerendo poucos cuidados do usuário para que funcionasse a contento por semanas a fio. Mas, às vezes, exigia uma desmontagem parcial para facilitar a limpesa. Para isso, há um compartimento na coronha, fechado com uma tampa com dobradiças instalada na soleira, onde se podia guardar varão, trapos e escovas de limpesa. O fuzil não tinha a tradicional e longa vareta de limpeza roscada na parte frontal da coronha, comum nos fuzis de repetição mais antigos.
Veja aqui o carregamento e manuseio do fuzil Garand M1
Desmontagem parcial – “field -stripping”
Uma das particularidades mais importantes de um bom fuzil é a facilidade com que ele pode ser limpo ou até reparado em campo de batalha, se possível sem a ajuda de ferramentas. Este foi um dos pontos positivos que pesou nos testes do governo americano em comparação com os concorrentes pois o Garand pode ser desmontado sem o uso de nenhuma ferramenta. Simplesmente virando-se o fuzil de cabeça para baixo sobre superfície firme, devidamente desmuniciado e travado, passe o dedo indicador ou o polegar por dentro do guarda-mato, na parte posterior do mesmo, e puxe-o com força para cima. O guarda-mato se articula e a parte posterior se solta da armação. Pode-se então retirar todo o conjunto do disparador e do carregador para fora da coronha. Ainda com a arma nesta posição, levante a coronha pela parte posterior e retire-a do conjunto cano e culatra. Nesta fase você já tem, descobertos e acessíveis para limpeza, os mecanismos do gatilho, martelo, guia de transporte do carregador, ferrolho e a haste do acionador. Uma desmontagem posterior a essa fase não é nececessária para manutenção periódica da arma.
Os Acessórios
Dentre os acessórios disponíveis para o M1, dois deles podem ser considerados os mais importantes: a baioneta denominada de M1 e o lança-granadas M7. Garand optou sabiamente em adotar a baioneta que já era utilizada em larga escala no fuzil Springfield modelo 1903, denominada de baioneta M1905, porém com uma nova bainha (denominada de M7) mais rígida feita em plástico e usando lâmina mais curta, mais condizente com as características das batalhas que se enfrentavam na II Guerra. O pouco comprimento permitia que fosse usada como faca de trincheira e até no combate coprpo a corpo. É possível, também, montar a antiga baioneta M1905 do Springfield no M1 e vice versa, pois os mesmos encaixes foram mantidos. O botão usado para liberar a baioneta do interior de sua bainha é também utilizado para fixar e liberar a peça de seu encaixe na arma. O comprimento total da baioneta era de 36,5 cm. e só da lâmina aproximadamente 25 cm. Havia também a baioneta M5, idêntica à M1 mas com 15 cm de lâmina.
A baioneta padrão do fuzil M1, uma derivação mais curta da utilizada nos Springfield 1903 – ambas eram compatíveis.
Os lança-granadas eram engenhocas interessantes e muito úteis ao soldado de infantaria. Este dispositivo era encaixado na boca do cano e fixado através do mesmo trilho e do engate onde se montava a baioneta. Haviam tres variações que podiam ser utilizadas no fuzil M1: os modelos M1, M2 e M7. O uso do dispositivo obrigava a utilizar o fuzil com um cartucho apropriado, o chamado M3, muito similar a um cartucho de festim, sem o projétil. Como o M1 podia funcionar sem o clipe, o soldado o retirava antes, cheio ou parcialmente carregado, e municiava o fuzil com um cartucho de cada vez diretamente na câmara. A carga deste cartucho era de 5 grains de pólvora negra FFF para rápida ignição e 45 grains da pólvora IMR de queima progressiva. Um grain equivale aproximadamente a 0,065 grama.
Felizmente, o lança-granadas podia se manter instalado mesmo se a arma utilizasse os cartuchos normais com projéteis, mas nunca se poderia lançar uma granada utilizando-se o cartucho normal. Originalmente, o cilindro de gas do M1 era fechado com um plugue roscado. Acompanhava o kit do lança-granadas modelo M7 um plug especial para substituir o original, e que poderia ser ajustado especificamente para cada caso: tiro normal ou com o lança-granadas.
Acima desenho explicativo do dispositovo de lança-granadas M7 para o fuzil M1
Era necessária uma válvula de alívio, contida no interior deste novo plug, que abria a saída de gases para o exterior, a fim de aliviar a pressão interna. Quando se ajustava o plug para uso normal, a válvula fechava este escape, permitindo que os gases fossem utilizados para o pistão acionador da tranca da culatra. Portanto, os cartuchos lança-granadas não faziam a arma ciclar, de forma que a ejeção do cartucho era feita manualmente.
Nas fotos acima vemos um conjunto de lança-granadas e as respectivas granadas – ao lado, oficial faz uma demonstração do uso do equipamento.
Uma vez montado o dispositivo e bem fixado à arma, a granada era inserida vestindo o tubo ranhurado, que possuía 6 marcações que informavam, aproximadamente, o alcance que a granada atingiria, sempre com a arma posicionada com a soleira da coronha apoiada no chão e o cano numa inclinação de 45º. Essas marcações eram ranhuras em baixo relevo possíveis de serem identificadas pelo tato, no escuro. Se 5 ranhuras ficassem expostas, o alcance aproximado seria 55 metros, 4 ranhuras para 80 metros, 3 ranhuras para 100 metros, 2 ranhuras para 130 metros e uma ranhura exposta, 160 metros.
Variações
Durante os anos em que permaneceu em serviço, o fuzil M1 passou por algumas transformações e algumas variantes foram criadas, com objetivo de uso e finalidades específicas. Abaixo, uma tabela parcial, com as mais importantes variações e suas finalidades:
A designação apresentada foi a utilizada pelo Exército; a Marinha utilizou denominações, am alguns casos, diferentes, lembrando que o Marine Corps, os fuzileiros navais, também adotaram a arma para uso padrão.
Designação do Exército | Descrição |
T1 | Protótipo |
T1E1 | Fuzil de teste (um exemplar) que quebrou o ferrolho em 1931 |
T1E2 | Basicamente o T1E1 com novo ferrolho |
M1 | Idêntico ao T1E2 mas com modificações na tomada de gás |
M1E2 | Variante com montagem para luneta |
M1E5 | Variante com cano de 18″ e coronha dobrável para Paraquedistas e Guarnução de Tanques. |
M1E6 | Variante Sniper |
M1E14 | Variante em calibre 7,62X51 NATO |
T20 | Variante com tiro seletivo e conversão para usar magazine do BAR |
T20E2 | Variante com magazine E2 magazines que podia ser montada no BAR |
T22 | Variante com tiro seletivo feito pela Remington com carregador destacável. |
T26 | Variante com cano de 18″ e coronha normal, para Paraquedistas e Equipe de Tanques. |
T35 | Variante para 7.62x51mm NATO |
Controvérsias
Como acontece com a maioria dos projetos envolvendo armas de fogo, a comparação de um desenho com algo já existente ou produzido anteriormente é inevitável. Pode-se citar dezenas de casos no decorrer da história, onde desenhos e projetos de grande inspiração e funcionamento simples e seguro serviram de fonte de inspiração para outros projetistas. Pode-se avaliar isso, em larga escala, com os projetos de revólveres de dupla ação. Quase que invariavelmente, todos os desenhos são inspirados nos modelos da Smith & Wesson ou Colt, projetos que ditaram, no começo do século, o que seria o mecanismo ideal para uma arma deste tipo. Portanto, como nos diz o velho ditado, porque reinventar a roda? Porque alterar ou modificar o que está dando certo há anos?
J. C. Garand com o seu novo projeto de fuzil não escapou incólume desta premissa. Analisando-se em profundidade o fuzil francês criado pela trinca de projetistas, o RSC Mle.1917, já comentado no início do nosso artigo, é impossível deixar de perceber algumas soluções mecânicas muito parecidas. O conjunto do disparo, que engloba gatilho, trava de segurança e o cão percutor é de uma semelhança intrigante. O êmbolo e pistão responsáveis pela captação dos gases através de um orifício no cano, também é muito semelhante. Porém, nada disso tira de John Garand e de sua excelente arma o brilho e fama que conseguiu angariar ao longo de vários anos de serviço e participação maciça em dois grandes conflitos. É inquestionável a importância que essa arma teve para a história mundial e principalmente para os Estados Unidos; cabe notar aqui que até hoje, o Marine Corps dos USA ainda utiliza o M1 Garand, em solenidades de gala ou cerimônias de acompanhamento e escolta do Presidente Norte-Americano. Sem dúvida, uma grande honra oferecida à uma arma ímpar e venerável, que reinou absoluta nos campos de batalha da Europa.
Características
Pêso descarregado: de 4,3 Kg a 5,1 Kg
Comprimento total: 1,10 m
Comprimento do cano: 24 ” – 61 cm
Ação: semi-automática, operação a gas, ferrolho rotativo
Munição: 7,62X63 (.30-06 Springfield) e posteriormente em 7,62X51 (.308 Winchester), uso de clipe ejetável e reaproveitável para 8 cartuchos
Miras: alça do tipo “peep-sight” e massa tipo “barleycorn”, alça regulável milimetricamente através de botões laterais, em altura e lateralmente.