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Pistola Parabellum “Luger” (Rev. 1)

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Escrever sobre a pistola Parabellum é mais ou menos como versar sobre algum mito histórico, um importante e carismático líder mundial ou um grande artista da antiguidade. É enorme a quantidade de obras já escritas sobre essa arma, bem como centenas de artigos espalhados por essa poderosa mídia, que é a Internet. Porém, neste nosso trabalho sobre armas históricas, não poderia faltar algo que a homenageasse e divulgasse ainda mais a sua importância no cenário mundial das armas de fogo portáteis.

A Parabellum foi, sem sombra de dúvida, uma das pistolas semi-automáticas mais difundidas e utilizadas em todo o mundo na primeira metade do século passado, sendo que essa grande aceitação gerou uma infinidade de variações. Essas chamadas variações não são, na verdade, modificações físicas no projeto e sim, pequenos detalhes que eram solicitados pelos países que firmavam os contratos, efetuados principalmente com a maior e mais importante fabricante da pistola: a Deustsche Waffen und Munitionsfabrik (D.W.M.). No decorrer do artigo entraremos em mais detalhes sobre essas variações, pelo menos sobre as mais importantes delas.

No espaço que pretendemos usar aqui, seria humanamente impossível descrever na íntegra e com detalhes todas as variações conhecidas, o que tornaria o presente artigo extremamente cansativo e longo demais. Algumas das mais importantes publicações, que fazem parte da bibliografia desse artigo e que recomendo ao leitor que pretende se aprofundar mais nas intrincadas versões desta arma são: The Luger Pistol, 1962, Fred Datig – Lugers at Random, 1969, Charles Kenyon, Jr. – Lugers Tips, 1992, Michael Reese II, Luger: An illustrated history of the handguns of Hugo Borchardt and Georg Luger, 1875 to the present day, 1977, John Walter, The Borchardt & Luger Automatic Pistols, Görtz e Sturgess, 2011 e Standard Catalog of Luger, 2006, Aarron M. Davis. Essas publicações serviram de base para este artigo.

Muito do que se conhece hoje sobre essa fascinante arma se deve à figura de August Weiss, que trabalhou com Georg Luger na DWM, em Berlim. Depois, em 1930, foi para Oberndorf, onde se tornou o chefe de operações da Mauser até 1948, quando colaborou para a liquidação da empresa no período de ocupação aliada. Sob a gerência dele, de 1930 em diante, a Mauser produziu quase um milhão de pistolas Parabellum. Weiss era conhecido como uma figura de homem discreto, afável, de fala calma e de educação esmerada, o que conquistou a admiração de todos seus funcionários e amigos.

Felizmente para nós, Weiss deixou um legado de registros históricos tanto da DWM como da Mauser, o que foi de uma utilidade impressionante para historiadores levantarem seus dados sobre a pistola Parabellum e a Mauser C96. Foi baseado em suas informações que a maioria dos autores de livros sobre essas duas armas se alicerçaram, até mesmo com entrevistas pessoais.

Nesta foto tirada em Berlim, em 1958, vemos o filho de Georg Luger, Georg Luger II e sua filha Elizabeth, ladeando Fred Datig, autor do livro The Luger Pistol. À direita, Herr August Weiss.

August Weiss faleceu em 1980 e foi enterrado não muito longe da fábrica da Mauser, perto do rio Neckar; viveu, portanto, até poder assistir ao renascimento da pistola Parabellum, em 1970. Tristemente, 25 anos após sua morte, em 2005, seus restos mortais foram removidos do local de origem para destino desconhecido, pois não havia mais ninguém que pagasse as taxas devidas de seu túmulo. Dedico aqui, pois, e com grande prazer e respeito, esse meu artigo como tributo à figura de Herr August Weiss.

A PISTOLA BORCHARDT C93

Hugo Borchardt (pron. Bork-hardt), nascido em 1844 em Magdeburg, Alemanha, formou-se em engenharia mecânica e em 1860 resolveu trabalhar nos Estados Unidos, na época um país em franca expansão industrial. Em 1872 tornou-se superintendente da Pioneer Breech-Loading Arms, mudando-se depois, em 1874, para a Singer Sewing Machine Co., fabricante de máquinas de costura. Posteriormente, trabalhou para a Colt Firearms, para a Winchester Repeating Arms e finalmente, em 1876, tornou-se superintendente técnico da Sharps Rifle Co. Em 1881 a Sharps vai à falência e Borchardt resolve retornar à Europa, mais especificamente para a Hungria, onde torna-se diretor da Real Fábrica de Armas da Hungria, em Budapeste. Enquanto vivia na Hungria, casou-se com Aranka Herczog.

De 1890 a 1892 retorna aos USA, onde acabou requerendo cidadania, e ajudou a Remington Arms no desenvolvimento do fuzil Lee, destinado aos testes do Exército Norte Americano. De volta à Europa, se estabelece na Alemanha, na Ludwig Loewe, de Berlim, onde passa a se dedicar integralmente a desenvolver uma pistola semi-automática. Baseado em um sistema de travamento de culatra por “ação de joelho” (toggle-joint), similar ao empregado por Hiram Maxim em sua recentemente inventada metralhadora, projeta e patenteia o que seria a primeira pistola semi-automática a ser produzida em série com sucesso comercial. Apesar de sua aparência estranha e desajeitada, granjeou uma certa reputação no mercado civil, mas não despertou o interesse dos militares, como era a intenção do fabricante. A pistola se denominava oficialmente de Selbstladepistole C93.

Para essa arma Hugo Borchardt desenvolveu um novo cartucho, denominado de 7,65mm Borchardt (7,65x25mm), cartucho esse que foi o precursor do famoso 7,63x25mm Mauser, usado nas pistolas Mauser C96.  A pistola era fornecida com uma coronha de madeira, que se encaixava na parte posterior da arma e firmemente presa por um parafuso. O cano era bem longo, com 165mm de comprimento e o fabricante estimava o alcance útil da arma, com a coronha adaptada, em cerca de 700 metros, algo que, convenhamos, era por demais otimista.

À esquerda os cartuchos 7,65mm Borchardt e seu sucessor 7,65mm Parabellum

Entretanto, apesar de ter ocorrido um relativo sucesso nas vendas, a Ludwig Loewe logo enxergou que a arma necessitava passar por uma remodelação, para poder, inclusive, atingir o mercado militar, a meta principal do fabricante. O projeto tinha diversos problemas a serem resolvidos, sendo o mais sério deles o alto custo de manufatura, devido às intrincadas operações de usinagem.

A empunhadura também era excessivamente posicionada em um ângulo quase reto em relação à armação, o que aliado à uma grande protuberância posterior, onde se alojava a mola recuperadora, deixava a arma bem desajeitada e desbalanceada. Porém, o projeto contemplava soluções avançadas, dentre elas o posicionamento do carregador destacável no interior da empunhadura (a primeira pistola semi-automática a empregar essa solução) e uma trava de segurança eficiente, além de uma possuir uma precisão de tiro inegável.

Essa era uma configuração muito comum da comercialização da pistola – um conjunto composto de quatro carregadores, um carregador “dummy” (só para manuseio), coldre de couro, coronha de madeira e ferramentas adicionais para desmontagem e limpeza. Conjuntos como esse acima, valem e são arrematados em leilões nos USA por valores que beiram os US$ 50,000.00 – Coleção particular.

A pistola Borchardt de 1893 (C93), em calibre 7,65mm, com sua coronha montada

Até o ano de 1896, a Loewe fabricou cerca de 400 pistolas, armas essas que contavam com uma gravação do nome da empresa sobre a câmara e a frase System Borchardt Patent sobre a lateral da armação. Neste mesmo ano, a Ludwig Loewe, juntamente com a Deutsche Metallpatronenfabrik Lorenz se uniram para formar uma nova empresa, mudança essa implementada por Isidor Loewe, pois seu irmão Ludwig já havia falecido. Assim, surge a Deutsche Waffen und Munitionsfabrik, a famosa D.W.M. Com essa nova marca, foram fabricadas aproximadamente 3.000 pistolas, um impacto comercial muito maior do que havia conseguido a sua única arma rival da época, a pistola Schönberger.

Acima, a pistola Borchardt C93

A pistola Borchardt era vendida nos Estados Unidos, no início do século XX, por cerca de US$ 30,00, considerado um valor bem alto para uma arma nesta época, em um conjunto composto de coronha de madeira, coldre em couro, três carregadores sobressalentes e um carregador falso, de madeira, para manutenção e limpeza, mais ferramentas e lubrificantes. Por US$ 5,00 a mais o proprietário levava uma mala de couro forrada em veludo. Infelizmente poucos desses conjuntos completos se encontram hoje em dia. O importador oficial era a empresa Hermann Boker & Co., de New York. Mr. Hans Tauscher era o representante da D.W.M. e futuramente se tornou agente e importador da Borchardt e da Parabellum para os Estados Unidos, Canadá e México.

Acima, patente de um protótipo de Borchardt, datada de 1896, com algumas modificações no projeto original. As famosas rodilhas (g) do ferrolho, destinadas à servir de apoio aos dedos para abrir a culatra surgem pela primeira vez, ao invés de uma estranha alavanca lateral vista na foto abaixo. Note também o cano um pouco mais curto. 

Pistola C93 vista por cima, onde se nota a estranha alavanca de ferrolho, do lado esquerdo da arma

Entretanto, apesar das antigas pressões da Loewe de que a arma deveria ser modificada, Hugo Borchardt se recusou a fazer alterações em um projeto o qual ele julgava ser perfeito. Diferentemente da época da Loewe, agora, a D.W.M. estava nas mãos de outros investidores e proprietários e essa pressão aumentou, a ponto da diretoria da empresa entregar o projeto nas mãos de um outro promissor engenheiro, Georg Luger (pron. Guê-órg Luguer), então consultor técnico da empresa, que recebeu a missão de desenvolver modificações no projeto original da arma. Resumindo, a configuração mais comum oferecida era com cano de 6 1/2 polegadas, carregador para 8 cartuchos calibre 7,62mm. Há indícios, não perfeitamente comprovados, de que podem ter sido produzidas algumas unidades em 7,65mm Parabellum e talvez uma só produzida em calibre 9mm Borchardt, um cartucho também do tipo “garrafinha”.

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Raríssimo espécime da  primeira versão da pistola Borchardt C93, com talas lisas e mola em lâmina do “sear” fixa por parafuso; armas como essa atingem cotações em leilões no mercado norte-americano na faixa de US$ 40 a US$ 60 mil dólares. 

Georg Johann Luger havia nascido em Steinach am Brenner, Tyrol, Áustria, no ano de 1849 mas foi educado em Padua, na Itália, em virtude de sua mãe ser italiana. Após sua graduação ele foi enviado à Viena, onde estudou na Wiener Handelsakademie. Em 1867 entrou como voluntário na Academia de Oficiais da Reserva, chegando ao posto de Cadett-Corporal em 1868. Logo em seguida, chamando a atenção de seus superiores pela sua grande inteligência e dotes em mecânica, foi enviado ao Centro de Armas Militares de Bruckneudorf, no então formado Império Áustro-Húngaro. Seu interesse em mecanismos de armas de fogo se iniciou ali, onde em 1871 foi para a reserva como Tenente (Leutnant der Reserve). Casou-se com Elisabeth Dufek em 1873, mudou-se para Viena e teve tres filhos.

Na foto, Georg Luger em seus tempos de academia militar

Entrou para trabalhar na Ludwig Loewe de Berlim em 1891, chegando ao posto de consultor técnico da empresa. Em 1894 foi designado pela empresa para demonstrar aos técnicos do Exército Alemão uma nova pistola que tinha sido desenvolvida pela sua companhia, a C93 de Hugo Borchardt. Luger permaneceu na D.W.M. até 1919, quando deixou a companhia e se aposentou, com 70 anos de idade.

A partir dessa importante missão que havia recebido dos diretores da D.W.M. e passando a estudar o projeto da C93 atentamente, Luger percebeu que as mudanças eram muitas tanto que acabou por projetar, praticamente, uma nova arma. O autor Fred Datig nos conta em seu famoso livro “The Luger Pistol”, que um grande mal estar pode ter ocorrido no ambiente da empresa entre os dois engenheiros, o que acelerou a saída de Hugo Borchardt da companhia. Porém, soube-se posteriormente através de uma entrevista concedida em 1955 ao autor do livro por um dos filhos de Luger, Georg Franz Luger, que Borchardt continuou mantendo boas relações com Georg Luger durante o tempo em que ainda permaneceu na empresa.

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Pistola pertencente à coleção da NRA, um estojo completo com coldre de couro, coronha, carregador sobressalente e vários outros acessórios. Havia uma versão de um estojo maior que este acima, com tres carregadores e alguns outros acessórios, hoje avaliados, e alguns leiloados, por  mais de US$ 100.000,00. 

Sendo assim, em 1896, Luger patenteia seu primeiro protótipo, cujo desenho esquemático mostramos abaixo. Luger manteve a culatra no sistema de ação de joelho mas eliminou a mola recuperadora em formato de arco, que se alojava na parte traseira da Borchardt, reposicionando-a para a parte posterior da empunhadura, mas ainda em forma de lâmina (f), e que fazia um engate com o ferrolho através de uma biela (f1). Porém, Luger ainda manteve a opção do uso de uma roldana (c3) ligada à parte posterior do ferrolho, que por ocasião do recuo do conjunto cano e ferrolho no momento do disparo, era lançada contra uma curvatura interna (c4), ocasionando assim a “quebra” inicial da ação de joelho, desalinhando seus eixos.

Além disso, foi acrescentada uma trava de segurança na empunhadura (d), solução essa que permaneceu por muito tempo em diversas opções da pistola. A mais importante mudança foi, sem dúvida, a alteração do ângulo de inclinação da empunhadura, para uma posição muito mais anatômica e confortável. Porém isso teve um preço: o cartucho teria que ser modificado.

O cartucho 7,65 Borchardt, ou 7,65X25mm era muito longo para que fosse possível ser utilizado na nova arma, devido à nova e mais inclinação da empunhadura mas, principalmente, pela colocação da mola recuperadora em um alojamento na parte posterior.

Se Luger mantivesse o cartucho usado na Borchardt, a empunhadura ficaria demasiadamente larga e grande. A solução foi redesenhar o cartucho, encurtando-o em cerca de 4mm. Foi criado assim o 7,65X21mm, ou 7,65 mm Parabellum, ou popularmente conhecido nos USA como .30 Luger. Ao lado, os cartuchos 7,65mm Borchardt e o 7,65mm Parabellum. Aqui vale a pena uma explanação: os projéteis desses cartuchos, o de Borchardt (7,65mmX25mm), o da Mauser (7,63mmX25mm) e a Parabellum (7,65mmX21mm) não possuem, na realidade, 7,65mm de diâmetro e sim 7,62mm; todos eles. A nomenclatura utilizada era somente de apelo comercial.

Mesmo com uma redução volumétrica da cápsula, em relação ao seu antecessor, não houve nenhuma redução de performance balística, nem queda de potência, uma vez que a DWM desenvolveu, conjuntamente com a Dynamit-Nobel uma nova pólvora para ser usada nesse novo cartucho.

 

Protótipo de Georg Luger de 1895/1896, transição entre a pistola Borchardt e a Parabellum

Acima a Borchardt Luger de Nº6, de 1898/99, objeto de leilão em 2020 pela Poulin Auctions (Foto do site da empresa)

Em 1898, a D.W.M. fabrica alguns exemplares da pistola denominada de Borchardt-Luger (BL) Transition Pistol. Nesta arma, George Luger redesenhou o gatilho e conseguiu diminuir mais ainda a parte traseira da armação, eliminando a roldana (c3) citada acima. Para isso, desenvolveu um engenhoso sistema de rampa, localizada em ambos os lados da armação. Quando ocorre o recuo do cano, as rodilhas do ferrolho são impulsionadas para trás e obrigadas a deslizar rampa acima, ocasionando assim o desalinhamento dos eixos da ação de joelho e permitindo que a culatra se abra.

Acima, a Borchartdt-Luger de transição 1898/99, em calibre 7,65X21mm; sabemos que menos de 10 peças dessas foram fabricadas, com cano de 5″ de comprimento. Note a rodilha do ferrolho com a lateral lisa e a rampa de deslizamento, logo atrás da mesma, sem o rebaixo usinado que se tornaria padrão posteriormente. Essa pistola, talvez a mais rara e desejada de todas as Parabellum, já trazia em sua aparência as principais características do modelo 1900, o primeiro a ser realmente produzido em série. Esse é o exemplar de Nº5, do Waffenfabrik Bern Museum, na Suíça.

Assim sendo, em 1899, Georg Luger apresenta seus primeiros protótipos, que foram testados por comissões especiais do Exército Suíço, bem como do Exército Alemão. Aliás, a Suíça se tornou o primeiro país do mundo a adotar a pistola Parabellum para uso militar.

O exemplar de Nº5, cuja foto se encontra acima, foi objeto de uma história impressionante. Ela se encontrava à décadas, exposta no Waffenfabrik Bern Museum, na Suíça. Em 1996, durante uma mudança do acervo, pois o Museu estaria para ser fechado, o próprio curador, Walter Schlatter, com a participação de seu filho, substituiu a peça original por uma cópia grotesca e a escondeu por anos. Com a mudança, dificilmente essa troca seria percebida, e assim foi relativamente fácil escondê-la por tanto tempo. Em 2002, os Schlatter tentam negociar a peça com um corretor do Texas, nos USA. E aí se inicia um trabalho impressionante de investigação policial envolvendo o FBI.

Depois de algum tempo os Schlatter conseguem um comprador da Califórnia, que viaja à Suiça, fecha o negócio por US$ 60.000,00 e contrabandeia a peça para a Alemanha, e depois para os USA. Lá, inicia um trabalho em Gun Shows americanos, onde discretamente informa que está de posse da Borchard Luger Nº 5. Somente em 2003, através de uma armadilha montada pela polícia, a arma foi recuperada e em 2004 foi reenviada à Berna. Na Suíça, os Shlatter foram condenados por roubo.

Nota do Autor: agradeço ao colega Douglas S. Aguiar pela colaboração em disponibilizar dados históricos sobre a recuperação da pistola Nº 5. 

Voltando aos testes, na Alemanha, a arma recebeu críticas com referência à potência do cartucho 7,65mm.  Como já dito, mesmo com redução do tamanho não houve perda de potência em relação ao 7,65mm Borchardt. Entretanto, o poder de parada (“stopping-power“) não era muito alto em nenhum deles, o que gerou essas críticas do pessoal do Exército, ainda acostumados com o grande calibre de seus antigos Reichsrevolver modelo 1879, que se utilizavam de um cartucho de calibre 10,6mm, apesar da carga ser de pólvora negra.

Em 1900, a D.W.M. (Deutsche Waffen und Munitionsfabrik), inicia a produção em série da pistola, que foi batizada de Parabellum, nome que também era o endereço telegráfico da empresa. NA: Parabellum, palavra oriunda da frase em latim, “Si vis Pacem, Para Bellum”, de autoria do romano Publius Flavius Renatus, que significa “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.

Aliás, quanto ao nome que se dá atualmente à arma, seja ele Luger ou Parabellum, cabe aqui uma explicação: oficialmente, o nome da pistola era Parabellum, batizada assim pelo fabricante D.W.M. Credita-se à Hans Tauscher, representante e primeiro importador oficial nos Estados Unidos o fato de ter usado o nome “Luger” pela primeira vez para essa arma, com alusão ao nome do projetista. Após a I Guerra, a marca “Luger” foi patenteada pela A.F. Stoeger, outro importador norte-americano da pistola.  Pelo menos até meados do século XX, na Europa, se fosse mencionado à alguém o nome Luger citando essa arma, provavelmente receberia de volta uma resposta de “nunca ouvi falar…”

A Parabellum 1900, portanto, possuía o sistema de culatra trancada, liberada por curto recuo do cano, usando um sistema de ação de joelho exatamente igual ao empregado por Borchardt na sua C93. Apesar de funcionar bem, ele é um pouco crítico quanto às cargas utilizadas nos projéteis e exige mais peças móveis e alguns pinos nas articulações, que com o tempo poderiam gerar algumas folgas e desgastes. Porém, a qualidade do material empregado nestas armas era tão boa que raramente se observa algum exemplar dessas armas apresentando desgastes nessas peças, mesmo os que foram exaustivamente utilizados.

No final desse artigo, conheça mais detalhes de como funciona o ferrolho por “ação de joelho” das pistolas Parabellum.

O MODELO 1900

Como já dito acima, as modificações que Georg Luger implementou em seu novo projeto foram muitas. Ao contrário do projeto original de Borchardt, a Parabellum era uma arma estéticamente mais bonita, mais elegante, bem balanceada, com um ângulo de empunhadura acentuado, sendo esta empunhadura considerada por muitos atiradores como a melhor e a mais ergonômica das oferecidas em todas as demais pistolas militares. Seu carregador tem capacidade para 8 cartuchos e fica posicionado no interior da empunhadura, podendo ser extraído facilmente mediante um botão retém localizado convenientemente perto do gatilho, acionado pelo polegar. O gatilho é uma bela peça, larga e confortável, posicionada numa das melhores distâncias em relação à parte posterior da arma que se conhece em armas militares. Os canos de comprimento de 4″ 3/4 eram quase um padrão, e dispunham de raiamento de 4 estrias com passos de uma volta a cada 25 cm.

Possuía uma trava de segurança na empunhadura e uma alavanca seletora lateral que na verdade serve para bloquear o movimento da trava da empunhadura, evitando que seja pressionada e destravando a arma. Existe um dispositivo “hold-open“, peça destinada a manter o ferrolho aberto quando o último cartucho do carregador for disparado e ejetado. O carregador vazio pode ser removido sem que o ferrolho se feche, possibilitando a inserção de um novo, devidamente municiado. Entretanto, após essa operação, o ferrolho não se fecha automaticamente; necessita de um pequeno golpe para traz para que isso aconteça.

Talvez os maiores problemas da Parabellum estão no mecanismo de disparo, parcialmente exposto do lado esquerdo da arma e que pode acumular muita sujeira e engripar, e o seu sistema de culatra de ação de joelho, denominado de “toggle-joint“, que aliás foi o motivo da não adoção da arma pela comissão dos testes norte-americanos de 1907. Tanto o sistema de culatra como o de disparo exigiam tolerâncias mínimas de fabricação e ajustes perfeitos, o que fazia da arma uma das mais dispendiosas já fabricadas.

Pistola Parabellum modelo 1900, em calibre 7,65mm Parabellum, modelo que foi fornecido à Suíça sob contrato

Mas voltando à história, um ano depois do nascimento da arma, em 1901, a Suíça testou e aprovou a pistola para uso em seus exércitos e fechou um contrato de fornecimento de 3.000 delas em calibre 7,65mm Parabellum. Nesta mesma época os Estados Unidos adquiriram 1.000 pistolas, destinadas a testes de campo a serem executados pelo seu Exército. A Suíça se tornou portanto, nesta data, o primeiro país do mundo a adotar oficialmente uma pistola semi-automática como arma de porte regulamentar.

Em 1902, visando atender ao apelo dos militares alemães por um cartucho de calibre maior e mais potente, George Luger projeta um novo cartucho, agora em calibre 9mm.; tinha as mesmas dimensões traseiras do 7,65mm, possibilitando assim que as pistolas Parabellum se adaptassem a qualquer um deles mediante a simples troca do cano, sendo que o carregador era idêntico para ambos os calibres. A cápsula era levemente cônica (diâmetro frontal menor do que o do fundo do cartucho), solução muito empregada em pistolas semi-automáticas para diminuir travamentos do cartucho dentro da câmara no momento da extração. Esse novo cartucho, denominado de 9mm Parabellum (9×19), viria se tornar o cartucho de maior sucesso em uso no mundo, em pistolas semi-automáticas, adotado oficialmente pelos países da OTAN, tendo substituído inclusive, em 1985, o venerável cartucho .45 ACP, utilizado pelos Estados Unidos desde 1911. Com esse novo cartucho em produção, Georg Luger produz algumas pistolas neste calibre e as submete à comissão avaliadora do Exército Alemão, que passa a testar a nova arma em campos de provas bem como nas suas próprias tropas. No ano de 1904 a Marinha Alemã, depois de estar examinando e testando a pistola desde 1902, adota a Parabellum, porém solicitando um modelo com cano mais longo (6″) e com alça de mira graduada, e equipada com um engate para coronha na empunhadura.

Raríssima variação da Parabellum Navy modelo 1900 com alça de mira traseira e sem trava de empunhadura, com cano de 7″ e calibre 7,65mm Parabellum.

As principais variações sob contratos do modelo 1900 bem como suas quantidades produzidas são as seguintes:

1899-1900 Modelo de Aceitação do Exército Suíço para testes – 100
1900 Comercial – 5.500
1900 Suíça, adotada regularmente por aquele país – 5.000
1900 American Eagle, venda comercial e militar nos Estados Unidos – 12.000
1900 Búlgara – 1.000
1900 Carabina (comercial) com alça de mira regulável, no ferrolho- menos de 100
1902 Carabina (comercial) com alça de mira regulável sobre o cano – 2.500
1902 Comercial – 600
1902 American Eagle, comercial – 700
1902 American Eagle com contador de cartuchos – 50
1903 Comercial – 50
1904 Navy (Marinha) – 1500
 
 

American Eagle com Cartridge Counter (indicador da quantidade de cartuchos no carregador) – uma das mais raras Lugers existentes, somente 50 unidades fabricadas, possuía o brasão Norte Americano (American Eagle)  gravado sobre a câmara.

Parabellum modelo 1902 Comercial, em calibre 9mm, cano de 6″ (coleção particular)

AS CARABINAS 1900

Em 1902 a D.W.M. lança uma versão muito interessante da Parabellum, em calibre 7,65mm e com cano de 11″ 3/4, com o intuito de ser utilizada como uma carabina. Acompanhava a arma uma coronha de madeira maciça, destacável por intermédio de um engate na parte frontal. A arma possuía uma alça de mira graduada, posicionada sobre o cano. A coronha era bem diferente do modelo que era utilizada nas pistolas, bem mais simples e feitas de uma peça de madeira maciça; ao contrário, a coronha das carabinas eram peças com acabamento muito mais refinado e lembravam um formato mais tradicional de coronhas para armas longas.

Na parte inferior do cano havia uma longarina de aço, fixada à parte frontal da armação, onde era montado um fuste de madeira com ornamentos zigrinados e dotado de uma trava de fixação. Algumas dessas carabinas eram vendidas em uma caixa de madeira onde se alojavam a pistola, a coronha, carregadores avulsos e compartimento para munições.

Testes executados pela própria D.W.M. indicaram que a carga de pólvora empregada no cartucho normal para a pistola não funcionava a contento nas carabinas, devido à grande diferença no comprimento do cano e à maior massa do conjunto. Para tanto, como a empresa era também a fabricante do cartucho, resolveu produzir lotes especialmente destinados às carabinas, com uma advertência na caixa para não serem usadas nas pistolas. O código dessa munição, que nas pistolas era 471 passou a ser 471A, para que mesmo um cartucho avulso pudesse ser corretamente identificado.

Lado direito da carabina modelo 1902 com sua coronha de madeira montada e bandoleira de couro

Carabina modelo 1902 em calibre 7,65mm Parabellum

Detalhe da carabina 1902, de sua alça de mira graduada e de seu fuste de madeira – Coleção particular.

Detalhe do encaixe da coronha na pistola, com sua trava de retenção.

O MODELO 1906

Em 1906, George Luger resolve executar várias alterações em seu projeto original de 1900, que foram as últimas mudanças físicas e mecânicas executadas nesta arma. Antes de prosseguirmos, é interessante abrir aqui um parêntese para explicarmos melhor quais as diferentes características existentes entre esses dois modelos, o de 1900 e o de 1906.

As pistolas Parabellum possuem somente dois MODELOS básicos, o de 1900 e o de 1906, denominados pela comunidade colecionista de “Old Model” e “New Model” respectivamente, e três TIPOS básicos, os chamados 1900, 1906 e 1908; entretanto, cada um desses MODELOS e TIPOS foram produzidos com diversas alternativas de comprimentos de cano, ora utilizando engate para coronha ou não, alguns deles com miras fixas ou com alças de mira reguláveis, tudo isso para suprir e atender os pedidos de contratos de seus clientes.

Em relação aos MODELOS, todas as pistolas Luger pertencem a um desses dois: 1900 “Old-Model” e 1906 (“New-Model”).

A seguir as principais características de mecanismo e de usinagem entre eles:

1) a mola recuperadora, que nas 1900 consiste de duas lâminas de aço paralelas, foram substituídas em 1906 por uma mola espiral, posicionada no mesmo lugar das lâminas, mais a adição de uma peça de conexão em formato de V, ligando a extermidade do guia da mola com a biela do ferrolho.

2) a superfície de ambas as rodilhas (ou botões) laterais, que servem de apoio aos dedos para se armar o ferrolho, na 1900 são parcialmente chanfradas; na 1906, foram alteradas para uma superfície totalmente recartilhada.

Detalhe da trava lateral do ferrolho, montada na rodilha direita do ferrolho, existente só nos modelos Old Model

Além disso, no modelo 1900 a rodilha direita possui uma trava com uma pequena mola interior, que evita que o ferrolho se abra sem estar devidamente com o conjunto cano-ferrolho recuado (foto acima). Essa peça foi eliminada no modelo 1906, pois devido à troca da mola recuperadora citada acima, a mola espiral possui uma tensão maior, e só isso já é suficiente para um fechamento mais efetivo da culatra.

 

Diferença no acabamentos das “orelhas” do ferrolho, Old Model à esquerda e New Model à direita. Também notamos nesta foto a diferença da inclinação da lâmina-trava do sistema de gatilho. Nas pistolas “New Model” com trava de empunhadura a lâmina é inclinada para traz (///) como na 1900 e nos modelos sem a trava de empunhadura, a lâmina é inclinada para frente (\\\), como na foto da direita. A posição da alavanca seletora quando travada é, portanto, invertida nessas duas opções. 

3) o gatilho, mais fino na 1900, teve sua largura aumentada na 1906. Com o guarda-mato, ocorre o inverso; ele é mais largo no modelo 1900 e mais estreito no modelo 1906.

4) a cabeça do ferrolho, que nas “Old Models” é rebaixado em relação ao topo da armação, foi redesenhado e passou a ficar mais alto, da mesma altura da armação.

  

Diferença na cabeça do ferrolho e do extrator da Old Model (esq.) e da New Model (dir.)

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Diferença dos guarda-matos: à esquerda, sem rebaixo (Old Model), e à direita com rebaixo, próximo ao botão-retém do carregador (New Model) 

5) o extrator, antes construído de uma fina lâmina de aço, foi trocado por um novo, usinado em uma peça de aço maciço. A partir dessa modificação, quando há um cartucho na câmara, a parte superior do extrator se projeta para fora, servindo como um alerta tanto visual como através do tato, de que arma se encontra carregada. A face lateral esquerda do extrator, quando visível (com a presença de um cartucho na câmara), exibe a palavra em alemão “GELADEN”, que significa “carregada”. Nas pistolas dos contratos brasileiro e português, por exemplo, a gravação é a palavra “CARREGADA”. Nas Lugers American Eagle, a inscrição usada era “LOADED”.

Detalhe do engate para coronha na empunhadura.

Para completar as diferentes características das pistolas, além dos dois MODELOS descritos acima, todas as Lugers são classificadas em três TIPOS:

Tipo 1900 – qualquer Luger com trava de empunhadura e as características de mecanismo e de usinagem dos modelos “Old Model” (com raríssimas excessões todas as 1900 possuem trava de empunhadura).

Tipo 1906 – qualquer Luger com trava de empunhadura mas com as características de mecanismo e usinagem dos modelos “New Model”.

Tipo 1908 – qualquer Luger sem trava de empunhadura (somente com a trava lateral) e com características de mecanismo e usinagens dos modelos “New Model’.

Resumindo, uma determinada pistola pode ser identificada como sendo Modelo 1906 (“New-Model”) e pertencente ao Tipo 1908, por exemplo.

Dentre os vários contratos firmados pela D.W.M. a partir de 1906, destacam-se os de Portugal e do Brasil, países que também encomendaram essas armas para uso em seus exércitos, sendo que o Brasil fez uma aquisição de 5.000 pistolas em 1906, em calibre 7,65mm Parabellum, muitas delas ainda presentes no Brasil em coleções individuais e em bom estado de conservação.

A LUGER “BRAZILIAN” 1906 (CONTRATO BRASILEIRO)

Essa variação merece um capítulo mais detalhado, pois faz parte da nossa história. No ano de 1908, depois de testes realizados em 1904 e 1905, o Governo Brasileiro resolve fechar um contrato com a D.W.M. de fornecimento de 5.000 pistolas Parabellum, similares às que foram fornecidas ao Governo Português. Tratava-se de uma modelo 1906 (New-Model) e tipo 1906, ou seja, com trava de empunhadura mas sem engate para coronha, em calibre 7,65mm Parabellum e cano com 4″ 3/4 de comprimento. Essas pistolas tem a sua numeração serial iniciando em 0001 e terminando em 5000 (o que era de praxe na D.W.M. quando se tratava de contratos), numeração essa gravada na parte frontal da armação e debaixo do cano. Os dois últimos algarismos do número de série são estampados em diversas outras peças,  mas escondidas de uma observação externa, donde se pode julgar se as armas tiveram suas peças substituídas ou não. Interessante citar que neste mesmo ano, 1908, o Governo firmou contrato de 400.000 fuzis com a mesma empresa, a D.W.M.

Desde 1904 que uma comissão governamental já testava alguns exemplares da arma para o Exército, apesar de que consta que a Marinha também efetuou testes mesmo antes do Exército, e tenha concretizado uma aquisição em quantidade não determinada em 1904. Há exemplares dessa aquisição no Museu da Marinha e presente em coleções particulares. Os testes para o Exército haviam sido feitos ainda com a pistola do modelo 1900. Porém, por razões orçamentárias, o governo só autorizou a aquisição das peças no início de 1908. A comissão enviada à Europa iria também fechar o grande contrato dos 400.000 fuzís Mauser M1898, que aqui receberiam a denominação de Modelo 1908. A demora nessa operação foi benéfica sob certo aspecto, pois as pistolas Parabellum do contrato já seriam as do modelo 1906, e não do modelo 1900 que haviam sido testadas. Consta que a produção inicial e a entrega das armas para o Governo só se deu após 1910.

Chama a atenção o detalhe do porque essas pistolas não tiveram o Brasão de Armas brasileiro estampado sobre a câmara, mas tão somente o caracter B inserido no círculo. Os fuzís Mauser 1908, por exemplo, produzidos que foram pela mesma empresa, a D.W.M. tiveram o brasão devidamente estampados. Era praxe nas Lugers de contratos estrangeiros terem esses brasões, tal como ocorreu na mesma época com o contrato português, o suíço e as americanas “American Eagle”. Alguns estudiosos especulam que, provavelmente, devido à aquisição dos fuzis, a D.W.M. possa ter fornecido as 5.000 pistolas a título de cortesia, o que não é algo impossível se ter ocorrido, devido ao bastante alto número de exemplares de fuzis solicitados.

Luger 1906 do Contrato Brasileiro, com uma caixa de munição Geco, de fabricação alemã (foto de coleção particular).

Do lado esquerdo do prolongamento do cano e bem próximo à esse, há a única marca de prova desta arma, a do inspetor militar brasileiro: um pequeno círculo com a letra “B” em seu interior, muito similar à mesma empregada pela D.W.M. em seus fuzís Mauser do Contrato Brasileiro de 1908. Como já dissemos, sobre a câmara não há nenhuma gravação, seja ela de brasões ou de datas. O extrator possui a inscrição em português “CARREGADA” em seu lado esquerdo, visível quando da presença de um cartucho carregado. Essa inscrição era idêntica às pistolas do contrato português.

   

Detalhes da indicação “CARREGADA” em português e do monograma entrelaçado da D.W.M. no topo do ferrolho.

A alavanca seletora da trava de segurança de empunhadura não tem indicações quanto à posição de estar a arma travada ou não. Quando na posição travada (alavanca para cima), a área debaixo da alavanca possui um acabamento polido, sem acabamento, o que já chamava a atenção. Como na maioria das Lugers 1906, a base do carregador é feita em madeira. Acredita-se que todas essas pistolas tenham vindo para o Brasil acompanhadas de seus coldres de couro e de duas ferramentas, uma pequena chave de fenda apropriada para o parafuso das talas, que também servia para facilitar municiar o carregador (um orifício desta chave encaixa-se num botão externo, existente no carregador) e uma vareta com ponta rosqueada com um reservatório para lubrificante.

A Luger 1906 com seu ferrolho aberto e carregador municiado. Todas as Lugers, com exceções, possuem o carregador feito em chapa de aço estampada e sem acabamento. O pequeno botão recartilhado que se vê no trilho lateral  e que é preso ao levantador de cartuchos pode ser puxado para baixo, com o polegar, para facilitar o carregamento (foto de coleção particular).

Pistola Parabellum 1906 do Contrato Brasileiro e seu coldre de couro original (foto de coleção particular).

Esse autor teve, ao longo de mais de quatro décadas, a oportunidade de examinar diversos exemplares deste contrato, onde se tornou patente a maior presença dessas armas com numeração mais alta, geralmente acima do número 3.000, motivo esse para o qual ainda não se tem explicação. Dentre todas essas peças avaliadas, grande parte já havia sofrido reformas, principalmente reoxidações feitas pelo método de banho quente, sendo que originalmente esse processo era feito pelo processo a frio (veja nosso artigo sobre reforma e conservação de armas de fogo). Algumas delas apresentavam um estado geral bem ruim em contraste com outras, totalmente originais, em estado denominado de “mint condition“, ou seja, tal como da sua saída da produção na fábrica.

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Pistola Parabellum do contrato brasileiro, mais uma em excelente estado, preservada em mãos de um colecionador brasileiro (foto do autor)

Em seu artigo na publicação norte-americana Guns & Ammo, de 1971, o autor Ralph L. Shattuck, um dos maiores colecionadores de pistolas Luger do mundo, afirma que as pistolas do Contrato Brasileiro raramente são encontradas em bom estado, o que não é bem verdade por que, felizmente, eu mesmo já tive a oportunidade de examinar várias delas em estado muito bom, como a ilustrada na foto acima.

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Acima, a marca de prova do contrato brasileiro, marca essa que não foi utilizada em mais nenhum outro contrato existente

Na importante publicação de Charles Kenyon Jr. , Lugers at Random, edição de 1969, o autor informa em suas notas sobre essa variação que o maior número de série já encontrado nessas armas é o de 4.920. Entretanto, não deve ter chegado ao conhecimento do autor do livro mas eu tive a oportunidade de examinar até hoje, uma única arma que apresentava numeração superior à essa especificada na publicação.

A Luger do Contrato Brasileiro de 1906 no interior de seu coldre de couro – nota-se na parte interna do coldre o compartimento para se guardar a pequena chave e na parte externa frontal, bolsa que alojava a ferramenta de limpeza. (foto de coleção particular).

Fotografia onde se vê três ferramentas originais que acompanhavam a pistola – vareta rosqueada com um compartimento para graxa lubrificante, chave de fenda (que também era usada para facilitar a inserção de cartuchos no carregador) e um saca-pinos.

O autor Charles Kenyon também sugere, sem ter muita certeza do fato, de que tomou conhecimento de algumas pistolas desse contrato também existirem em calibre 9mm Parabellum, com canos de 4″ de comprimento, as quais não se sabe terem sido fornecidas originalmente ou se foram transformadas posteriormente em arsenal, aqui mesmo no Brasil.

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Pistola 1906 do contrato brasileiro, mostrando a inscrição CARREGADA no extrator, com seu coldre de couro

A respeito do Contrato Brasileiro, há realmente algumas controvérsias e a mais intrigante delas é sobre a existência dessas peças em calibre 9mm. Em todas as publicações estrangeiras sobre Lugers, e o autor possui diversos exemplares de livros publicados sobre essa arma, somente há referência sobre o contrato de 5.000 peças, em calibre 7,65mm e com canos de 4″ 3/4. Porém, uma publicação nacional, especializada em armas, chegou a afirmar que esse contrato foi aumentado posteriormente em mais 500 armas, essas sim, fornecidas em calibre 9mm Parabellum. Essa hipótese não tem base nas publicações sobre Lugers existentes no exterior e nem respaldo documental nos anais do Exército Brasileiro. Dificilmente se encontram colecionadores e aficionados dessa pistola no Brasil que estão plenamente convencidos de que essas armas realmente existiram. Entretanto, nada impede de que possa ter havido aquisições posteriores de pistolas, ou pelo governo ou por órgãos policiais, fossem em número de 500 ou não, em calibre 9mm. Porém, essas pistolas seriam do padrão das P08 comerciais, com canos de 4″, com nada a ver com as originais 5.000 armas do contrato.

Apesar de que essa publicação exibiu, inclusive, fotos da arma em questão, particularmente eu nunca as observei em mãos e contesto a afirmação de que realmente pertenciam a um adendo feito no mesmo contrato de 1908. Como nas pistolas Luger, a substituição do cano por outro é algo muito simples de se fazer, uma vez que eram rosqueados, e basta o uso de um cano de calibre 9mm montado numa arma originalmente em 7,65 para transformá-la nesse novo calibre, o que nada impede que algumas das 5.000 Lugers do contrato brasileiro tenham tido seus canos trocados por outros em calibre 9mm, oriundos talvez de pistolas Luger P-08, utilizadas na II Guerra e trazidas em boa quantidade para cá; aliás, elas ainda são presentes por aqui, em grande número. Como as pistolas do contrato possuíam numeração serial nos canos, já observamos em alguns exemplares com canos de 9mm de que essa numeração, ou não existe ou foi remarcada, com claras evidências fraudulentas.

Abaixo, cópia de um boletim do Exército Brasileiro de Julho de 1912, destinado às instruções  de manuseio da pistola Parabellum. Nota-se que na tabela de características, exibem-se os dois calibres, porém, fica explícito ali que o Exército só as tinha em calibre 7,65mm.

boletim do eb 1912

Mais uma vez lembrando que a pistola Parabellum é uma arma em que os dois calibres para os quais foi projetada, o 9mm Parabellum e o 7,65mm Parabellum, possuem as mesmas dimensões no seu culote, e características de carga e energia muito similares, de forma que a simples troca do cano é suficiente para que funcione sem nenhum problema: os carregadores são exatamente os mesmos e nem é preciso substituir a mola recuperadora, por exemplo.

Alguns exemplares de pistolas do contrato brasileiro com canos em 9mm, ou vistos pelo autor ou em mãos de colecionadores são, inclusive, considerados como montagens e adaptações pelos próprios proprietários. Outro fato que corrobora para a não veracidade dessa informação é a de que todas essas pistolas do contrato que surgiram em calibre 9mm em mãos de colecionadores, possuem numeração serial dentro do parâmetro de 0001 até 5000, o que contraria explicitamente o contrato em si, sendo que em algumas a numeração serial no cano é claramente remarcada, com punções diferentes do original.

Segundo o historiador Adler Homero da Fonseca, um especialista em história de armamento bélico brasileiro, o Brasil mantinha uma missão militar na Alemanha naquele período, de forma que deve ter sido ela a fazer a compra das pistolas junto à DWM. O relatório do ministro da guerra de 1902 tem um parecer sobre as ainda chamadas Borchardt-Luger. Em 1908 havia uma comissão de avaliação para executar os testes de pistolas automáticas, mas as pistolas Luger chegaram aqui até por volta de 1911, pois só foram encontrados documentos relativos aos dados de distribuição a partir daquele ano. O manual oficial da arma é de 1912, porém, o manual da Marinha já as menciona em 1905.

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Coldre de lona, produzido aqui mas baseado nos produtos do fabricante britânico The Mills Equipment Co., fornecedor para o governo brasileiro, utilizado alternativamente no lugar do de couro; note o compartimento para o carregador. 

Outra afirmação supõe que as 500 armas em 9mm faziam parte do mesmo contrato. Também não vejo muito sentido porque o Brasil, em 1906, ano em que o calibre 9mm Parabellum ainda era um ilustre desconhecido e ainda nem utilizado oficialmente na Alemanha, iria adquirir 4.500 exemplares de uma pistola em calibre 7,65mm e só 500 deles viriam utilizando os cartuchos de calibre diferente.

Se assim fosse, temos que concordar que se os seriais das 7,65mm iniciaram em 0001 e terminaram em 4.500, não deveria haver armas em calibre 7,65mm acima de 4.501, o que não é verdade, pois elas existem. Controvérsias à parte, o Exército Brasileiro acabou ficando com somente esse lote, muito pouco para suprir a maioria de suas unidades e provavelmente nem todas essas pistolas permaneceram muito tempo em serviço, tendo encontrado um ambiente mais propício à sua conservação nas mãos de alguns oficiais que as levaram para casa.

Oficialmente, a Parabellum ficou em serviço no Exército de 1911/12 até 1937; alguns historiadores afirmam que havia uma certa tolerância por parte do Exército, de forma que vários oficiais ainda continuaram  a utilizá-las como arma de porte até a década de 50.

Depois delas, até a adoção da Beretta em 1980, a única pistola semi-automática adquirida por contrato pelo Exército Brasileiro foi a Colt Government 1911A1, no ano de 1937.

DEMAIS CONTRATOS

A partir de 1906, cresceu mais ainda a demanda pelas pistolas Parabellum pelo mundo. A fama da alta qualidade de fabricação e pelo fato de ser, na sua época, uma das mais avançadas pistolas militares, alavancou os contratos tanto dentro da Alemanha como no exterior. A Marinha Alemã, que já utilizava o modelo 1904 adotada  naquele ano, continuou fazendo aquisições em grande quantidade, agora do seu modelo denominado Navy 1906, uma arma com cano de 6″ e alça de mira regulável na parte posterior do ferrolho, trava de empunhadura e engate para coronha.

A Luger Navy 1906, em calibre 9mm Parabellum, cano de 6″ e alça de mira regulável, trava de empunhadura e engate para coronha – é considerada pelos aficionados como a mais elegante, harmoniosa e equilibrada das variações de Lugers. Note a inscrição “GESICHERT” (travada) gravada na armação, debaixo da alavanca de trava de segurança. 

Detalhe da alça de mira graduada de 0 a 100 metros das Lugers Navais 1906

Dentre os principais contratos a partir do modelo 1906, podemos destacar as mais importantes variações abaixo, comerciais ou militares, com as respectivas unidades produzidas:

1906 Comercial – 750
1906 American Eagle, venda comercial e militar nos Estados Unidos – 750
1906 Comercial com cano de 4″ – 4.000
1906 American Eagle em 9mm, com cano de 4″ – 3.000
1906 American Eagle em 7,65mm, com cano de 4″ 3/4 – 8.500
1906 Swiss Comercial – 1.000
1906 Comercial em 7,65mm, cano de 4″ 3/4 – 5.000
1906 Holandesa – 4.000
1906 Real Marinha Portuguesa – 7.000
1906 Brasileira em 7,65mm e cano de 4 “3/4 – 5.000
1906 Bulgária – 1.500
1906 Russa – 1.000
 

A LUGER EM CALIBRE .45 DESTINADA AOS TESTES DOS ESTADOS UNIDOS DE 1907

Em 1907, o Governo Norte-Americano passou a realizar testes com diversas armas curtas destinadas a se tornarem padrão no Exército daquele país, os chamados U.S. Trials de 1907, realizados em Springfield, Massachussets. O nosso artigo A Pistola Colt 1911 – Os testes de 1907 mostra, em detalhes, como transcorreu esses procedimentos que culminou com a adoção da pistola Colt 1911 como arma padrão do Exército dos USA. Para esses testes, George Luger em pessoa, preparou, supervisionou a produção e transportou para os USA dois exemplares (embora alguns autores afirmem que tenham sido produzidas seis delas) baseada no modelo 1906 mas para uso do calibre 11,43mm, exigido pelos técnicos dos testes como sendo o mínimo para poder participar da contenda.

A pistola Parabellum (Luger) Nº 2, da firma alemã DWM, enviada para os testes já adaptada para uso do cartucho .45ACP. Acredita-se que somente dois exemplares foram produzidos, o que transforma essa arma numa raridade sem preço definido. 

Infelizmente para a D.W.M. e para o ego de Georg Luger, a pistola quase chegou ao final da contenda, onde somente haviam duas armas como rivais: a própria vencedora Colt e a pistola também americana, Savage, e a Luger acabou sendo descartada a favor das concorrentes. A maior crítica dos examinadores recaíram sobre o sensível sistema de ferrolho por “ação de joelho”, considerado pelos técnicos como muito crítico, de fabricação dispendiosa e mais sujeito à emperrar em condições adversas, como lama e poeira.

Fred Datig afirma em seu livro “The Luger Pistol” que Luger deve ter deixado para trás, nos USA, o exemplar que foi mais utilizado nos testes, exemplar esse de número 1, que nunca mais foi localizado. A arma de número 2 foi levada por ele para a Alemanha e era pertencente (pelo menos até a década de 70) à coleção de Sidney Aberman, de Pittsburg, Pensilvânia. Logo após os testes, mais duas pistolas foram produzidas para fins de divulgação comercial, sendo que uma delas se encontra no Norton Gallery de Schreveport, Louisiana. Consta também que o Governo Americano chegou a fazer uma encomenda de 200 pistolas adicionais à DWM, durante os anos de realização dos testes, o que foi recusado por motivos até hoje inexplicáveis.

O jornal Los Angeles Times de 15 de março de 2010 afirma que, em 1949, Sidney Aberman comprou a Nº 2 por US$ 150,00 de um amigo que havia pago este mesmo preço, cinco anos antes. Após a morte de Aberman, a arma foi adquirida por um negociante da Califórnia que vendeu-a a um bilionário da Indonésia, Yani Haryanto, por US$ 1.000.000,00. Em março de 2010 a empresa de leilões Greg Martin Auctions leiloou a arma em Anaheim, Califórnia, e foi arrematada por um “grande colecionador de armas” que se manteve anônimo, por US$ 430.000,00.

Cópia da pistola Parabellum (Luger) em calibre .45, fabricada “à mão” por Mike Krause, USA.

Como sempre pode ocorrer com peças e obras de arte de altíssimo valor, era inevitável que surgissem cópias desta arma, o que acabou realmente acontecendo nos USA na década de 80. Um fabricante de armas, Mike Krause, de San Mateo, Califórnia, chegou a produzir alguns exemplares aparentemente idênticos às originais , hand-made, e comercializou-os a preços bem salgados, mas não escondendo o fato de não serem legítimas. Existe à venda nos USA uma possível “autêntica” carabina (!) Luger em calibre .45, oferecida pela exorbitante quantia de US$ 1.000.000, sobre a qual ainda recaem inúmeras acusações de ser falsa.

Em 2009, o armeiro alemão Herbert Werle se associou ao industrial austríaco Karl Nedbal e ambos produziram em suas oficinas cinco exemplares, réplicas da pistola Parabellum em calibre .45 ACP. São cópias quase fiéis, com mínimas diferenças estéticas, e produzidas em aço inox. Não temos conhecimento de valores comerciais para essas pistolas e se sua produção foi mais além das cinco unidades iniciais.

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Acima, a Luger cal. 45ACP produzida por Werle & Nedbal

A DOTAÇÃO PELO EXÉRCITO ALEMÃO

Como prêmio de consolação pela eliminação nos Testes de 1907, o ano de 1908 jamais seria esquecido por George Luger nem pelas Forças Armadas Alemãs, uma vez que, finalmente, a pistola Parabellum foi adotada oficialmente como arma de uso individual padrão do Exército. A partir daí, sua nomenclatura oficial passou a ser P.08, ou “Pistole 08″, nomenclatura essa que designa o ano de dotação e não necessariamente o modelo da arma, que na verdade era o de 1906, mas do tipo 1908.

Pistola Luger (Parabellum)  “New Model” do tipo 1908, adotada pelo Exército Alemão em 1908, em calibre 9mmX19 (9mm Parabellum) – repare a base do carregador em alumínio, o que indica que a arma seja de produção durante a II Guerra. Coleção particular.

A P.08 era basicamente o modelo 1906 mas com cano de 4″ de comprimento, mas em calibre 9mm (9X19mm), com 6 raias e passo de uma volta a cada 25cm, alça de mira fixa, carregador com capacidade para 8 cartuchos, dispositivo “hold-open” para manter o ferrolho aberto após o último cartucho deflagrado, sem trava de segurança na empunhadura e com um encaixe na parte inferior posterior da empunhadura para a adaptação de uma coronha. Alguns anos depois, a arma teve seu batismo de fogo com a entrada da Alemanha na I Guerra Mundial, onde provou definitivamente ser uma ótima pistola.

Como dissemos anteriormente, o Exército não se simpatizou com o cartucho 7,65mm Parabellum, julgando-o de pouca potência para uso militar e de fraco poder de parada. Com o 9mm a DWM conseguia, simplesmente com a troca do cano, fornecer as pistolas ao Exército com um calibre que atendesse mais às suas expectativas.

O cartucho 9mm Parabellum, ou 9X19mm, é a bem da verdade um 7,65mm reduzido na altura em 2mm e sem gargalo. O estojo é levemente cônico, com uma diferença de 0,3mm no diâmetro junto à base, em relação à boca. Essa leve conicidade tem um efeito benéfico na extração dos estojos vazios. O projétil pesava 115 grains (7,5 g), utilizando uma carga de 6 grains (0,39 g) de pólvora desenvolvida pela Dynamit-Nobel. A velocidade na boca era de 400 m/s.

Voltando à pistola, nas primeiras versões fornecidas a partir de 1908, cerca de 20.000 pistolas, não havia sido colocado em prática o uso do dispositivo chamado de “hold-open”, destinado a manter o ferrolho aberto após último disparo de um carregador. No entanto, por solicitação do Exército, a maioria das pistolas retornaram para os arsenais estatais para instalar o mecanismo, o qual o Exército achava importante.

O dispositivo de travamento do ferrolho na posição aberta após o último disparo, o “hold-open”, assinalado com a seta

Até meados de 1913 os dispositivos não eram utilizados e nem havia a usinagem na armação para a sua montagem. O processo de retorno das armas aos arsenais para a instalação da peça perdurou inclusive durante a I Guerra. Segundo consta, a maioria das P08 que estavam em unidades da Prússia, Wurttemberg e Saxônia tiveram as conversões realizadas, mas a maioria das P08 que estavam de posse das unidades na Bavária nunca foram foram convertidas.

As armas convertidas eram carimbadas com uma pequena letra na parte superior do gatilho, do lado esquerdo. 

Além disso, foi também  executada uma alteração na usinagem do dente de retenção do disparador, para permitir que a pistola pudesse ser desmontada mesmo estando travada. No sistema antigo, não era possível essa operação pois com a arma travada, não se conseguia recuar o cano para destravar o retém de desmontagem.

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Nas fotos acima temos a modificação do disparador “sear”, para permitir recuo do cano mesmo com arma travada.

Uma P-08 militar – lado direito – primeiro modelo

Uma P-08 militar – lado esquerdo – primeiro modelo

A Alemanha utilizou na I Guerra Mundial, basicamente dois tipos da pistola: a P-08 padrão e o modelo Naval 1906. Devido à grande demanda devido à guerra, a produção foi estendida também ao Arsenal Imperial de Erfurt e acredita-se que saíram das fábricas da D.W.M. e de Erfurt, cerca de 2.000.000 de pistolas, e algo em torno de 50 milhões de peças avulsas de reposição. As pistolas produzidas no Arsenal de Erfurt são denominadas de 1908, apesar de que sua produção só se iniciou em 1910, durando até 1918. A data era estampada sobre a câmara, e os números de série do lado esquerdo. Sobre a porção intermediária da ação de joelho, havia a marca de uma coroa sobre a inscrição Erfurt. Muitas pistolas de produção Erfurt são hoje encontradas com dupla datação, armas que foram retrabalhadas após a guerra para futura aplicação policial ou militar.

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Em 1914, outro modelo bem interessante teve sua entrada no teatro da guerra: o Artillery Model, conhecida como Luger da Artilharia, em calibre 9mm Parabellum. Esse modelo possuía cano de 8″ de comprimento, com uma alça de mira regulável até 800 m. posicionada sobre a parte posterior do cano.

Detalhe da alça de mira do modelo Artillery, este exemplar datado de 1917

Essa mira tinha uma característica interessante: além do movimento de elevação, que é normalmente utilizado para o ajuste das distâncias, ela possuía um pequeno desvio lateral que aumentava de grau à medida que o ajuste da elevação era incrementado. Esse desvio era proposital e destinado a fazer uma correção automática existente na trajetória do projétil, para a direita. Esse modelo foi produzido até o ano de 1918 em quantidade que atinge dezenas de milhares de peças. Trata-se de uma das variações mais cobiçadas e objeto de desejo dos colecionadores de Luger, apesar de que a “Artilharia” não é uma variação particularmente rara. Muitas delas, obtidas de diversas formas nas batalhas nos campos da Itália, foram trazidas para o Brasil pelos pracinhas da F.E.B., apesar de que este era um procedimento proibido na ocasião.

Luger Artillery Model de 1918 com o coldre de couro, bolsa para carregadores adicionais e coronha de madeira.

O modelo Artillery quase sempre era acompanhado de diversos acessórios, principalmente da coronha de madeira com o coldre de couro. Um dos acessórios usados nessas armas que mais chama a atenção é o carregador denominado de “snail-drum“, que comportava 32 cartuchos em um alojamento circular, dispondo de um mecanismo movido à mola e que em muito lembra o utilizado nas metralhadoras Thompson, porém, em tamanho reduzido.

O conjunto acima acompanhava a maioria das pistolas modelo Artilharia: coronha de madeira, dois carregadores extras, ferramentas de limpeza e desmontagem, o carregador circular “snail-drum” (montado na arma) e dispositivo para facilitar o carregamento. Coleção particular.

Uma pistola Luger modelo “Artillery”, datada de 1915 – note a base do carregador feita em alumínio, ao invés de madeira, opção comum nas Lugers produzidas no período da I Guerra

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Duas das mais belas variações da Parabellum, lado a lado: a Naval de 1904 e a Artilharia de 1914

O PERÍODO PÓS I GUERRA

Com o término da guerra e a derrota da Alemanha, o Tratado de Versalhes lançou contra os países derrotados uma série de restrições quanto ao fabrico de material bélico. Dentre eles, havia a limitação dos calibres em armas curtas que seriam fixados em no máximo 8 mm e com o comprimento do cano limitado à, no máximo, em 3″ 5/8. Para a D.W.M. isso não gerou problemas maiores, pois simplesmente os canos seriam encurtados de 4″ para 3″ 5/8 e o calibre a usar seria o já existente 7,65mm Parabellum. O modelo chamado de 1923 era justamente esse, que passaria a ser distribuído às tropas, as quais também estavam restritas a um contingente de no máximo 100.000 homens.

Um fato que se tornou corriqueiro, e também resultado das limitações do Tratado, foi o que enviou várias pistolas de volta à DWM (segundo consenso de alguns autores) e também ao Arsenal de Erfurt, para serem “retrabalhadas”. Na verdade, esse procedimento denominado de “rework”, servia para reformar a arma onde estivesse danificada, principalmente trocando-se peças com durabilidade menor, como canos, carregadores e molas. Após esse retrabalho, as armas eram devolvidas ao serviço. Por esse motivo, encontra-se diversas pistolas P08 com duplas datas, as chamadas “double-dated”, carimbadas sobre a câmara, sendo a data inferior a da época da produção e a data posterior, a da remanufatura. O Arsenal de Erfurt costumava também recarimbar a porção mediana do ferrolho com sua marca. Portanto, fica claro que o Arsenal de Erfurt nunca produziu pistolas completas.

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Parabellum P08 datada de 1915 e com a marca de aceitação 1920 “Reihswehr” (coleção particular)

Em1919 foi promulgada a Lei de Desarmamento Civil, onde a intenção era recolher da população civil todas as armas conseideradas militares e que haviam sido liberadas durante a guerra. Mediante uma recompensa em dinheiro, o atual governo conseguiu recuperar grande parte do antigo arsenal e poder reaproveitá-lo. Daí provém a marcação em forma de data, “1920” presente em diversas armas dessa época, não somente nas pistolas Parabellum como tambem em fuzís e carabinas.

Portantoi, a numeração 1920 era, na verdade, a marca de aceitação e de propriedade da Reichewehr, que era o nome que se deu às Forças Armadas após a proclamação da República de Weimar, que foi organizada em 1920, nomenclatura essa substituída posteriormente pela expressão Wermacht, em 1935. Portanto, não se tratava, nesse caso, de remanufatura. Existe aí uma controvérsia de todas as pistolas matcadas com 1920 foram realmente retrabalhadas na DWM ou em algum outro arsenal.

A farsa das pistolas produzidas pelo Arsenal de Spandau – nota-se nesta foto a diferença de coloração no acabamento das peças e a ainda visível marca anterior que restou na peça, abaixo da marcação da coroa, por sinal, a mesma marca utilizada por outro Arsenal, o de Erfurt. 

Outra controvérsia que envolve as pistolas deste período são as supostas Lugers, tanto do tipo Artilharia como P08 padrão, produzidas em número reduzidíssimo (500 armas) pelo Arsenal de Spandau. Pistolas como essas, com o carimbo desse arsenal, começaram a  aparecer nos USA por volta de 1946 (porque depois de tanto tempo?) em mãos de alguns colecionadores e em casas de leilão. Prontamente passaram a ser cotadas em milhares de dólares. Até no Brasil, inclusive, começaram a aparecer algumas delas, oferecidas a preço de ouro, mas bem mais tarde que nos USA, em mãos de alguns colecionadores. Nenhuma publicação séria sobre Lugers sequer cita a existência dessas armas. Não há nenhum respaldo documental sobre isso; após dezenas de anos de discussão, o consenso geral é que se trata de falsificações, algumas delas facilmente comprovadas por “experts” nos USA.

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Acima, dois exemplos de pistolas “double-dated”, uma DWM “Artillerie” e outra P08 do Arsenal de Erfurt

É interessante citar que apesar de todos esses percalços, os anos pós I Guerra (1918 a 1930) foram os mais produtivos e rentáveis para a D.W.M., através de numerosos contratos que continuaram a ser fechados. Contratos estrangeiros como os da Suíça e o da Holanda continuaram mantendo a produção ocupada. A partir de 1920, um relaxamento natural das restrições do tratado já eram observadas. A D.W.M. já não mais existia com esse nome, mas sim como Berlin-Karlsruhe Industrie Werke (B.K.I.W.).

Outra grande demanda na década de 20, de pistolas Parabellum do padrão P08, foi feita pela polícia alemã, uma vez que após o fim da I Guerra a polícia interna (Landespolizei) cresceu em contingente devido à necessidade de reforço na segurança, lembrando que em 1918 e 1919 ocorreram as fundações de dois partidos políticos rivais, o comunista e o nazista. No entanto, pelo que consta, a polícia não estava muito familiarizada com o uso da pistola e isso causou diversas ocorrências de disparos acidentais. Em 1920 as autoridades governamentais proibiram que as pistolas fossem desmontadas sem antes se verificar a presença de um cartucho vivo na câmara, um procedimento aliás que nem necessitaria de uma norma como essa, de tão básico que é. Um dos problemas é que a Parabellum consegue disparar um cartucho mesmo estando com o conjunto ferrolho e cano fora da armação, por possuir a barra de disparo (“sear”) exposta quando se remove a placa de proteção lateral, o “side-plate”.

Por esse motivo, houve uma enxurrada de invenções de dispositivos de segurança para serem implementados das pistolas, algumas delas com soluções beirando o ridículo. Mas dois dispositivos tiveram boa aceitação e foram implementados, mas com curta duração. O primeiro deles, a Schiwy Sicherung, de autoria de Ludwig Schiwy, previa uma pequena mola com um engate montada sobre o “side-plate”. Ao ser removido para desmontagem, o pequeno engate dessa peça encaixava em um rebaixo feito no “sear”.

A Schiwy Sicherung instalada em uma P08

Outro dispositivo de segurança era uma trava de disparo quando o carregador da arma fosse removido. Tal tipo de dispositivo já era comum em diversas armas na Europa, como nas F.N. Brownings modelos 1906, 1910 e 1910/22. A grande diferença é que essas armas foram projetadas já se tendo em mente o uso desse mecanismo, e as Lugers, não. O sistema que acabou sendo implementado e que durou só alguns anos, foi o idealizado pela Carl Walther.

Consistia em uma única peça em forma de “U”, que com pequenas usinagens na arma podia ser instalada. Quando o carrefador era introduzido, a parte superior do mesmo pressionava essa peça para o lado, e um ressalto que esta obstruindo a movimentação da tecla do gatilho era deslocado para fora de seu caminho. Quando o carregador era retirado da arma, a peça retornava à sua posição original e o ressalto se posicionava novamente atrás da tecla do gatilho.

     

   

O dispositivo de trava de remoção do carregador Walther Sicherung

Os contratos existentes, principalmente com a Holanda consumiam quase toda a produção da B.K.I.W. de forma que outros fabricantes da pistola foram licenciados por ela e passaram a produzir a pistola, tal como a Simson & Co., da cidade de Suhl, a partir de 1922. Essa empresa foi, a partir deste ano a única fornecedora das pistolas ao Governo Alemão e seu contrato terminou em 1932, sendo que a partir daí mais nenhuma pistola P-08 saiu de sua linha de produção. As pistolas fabricadas pela Simson eram de qualidade e acabamento idênticos aos da D.W.M. e hoje em dia, cobiçadas pelos colecionadores, atingem patamares de preço em torno dos US$ 6.000, nos Estados Unidos, apesar de que mais de 15.000 pistolas foram produzidas.

Pistola Parabellum P-08 de fabricação Simson & Co. de Suhl, com coldre e ferramenta de carregamento / chave de fenda

Em 1930, a  B.K.I.W. foi incorporada pelo mesmo grupo que detinha a maioria das ações da Mauser Werke, de Oberndorf. Todo o maquinário foi transferido de Berlim para a Oberndorf, e a Mauser, doravante, passou a ser a maior fornecedora das pistolas Parabellum, apesar de que continuou utilizando a marca registrada da D.W.M. até 1934. A DWM produziu cerca de 1.000.000 de pistolas Luger em toda a sua existência, representando cerca de 28% de toda a produção dessas armas. A Mauser foi a segunda maior produtora, também beirando à um milhão de armas.

Foi também nesta época que o importador americano Hans Tauscher vendeu seu negócio para A. F. Stoeger, que se transformou doravante no único e oficial importador das Lugers em território americano. Stoeger teve também a brilhante idéia de registrar o nome “Luger” como de sua propriedade. As pistolas fabricadas para ele já vinham originalmente com a inscrição “A. F. STOEGER INC. NEW YORK” na face direita da armação e “LUGER – REGISTERED U.S. PATENT OFFICE” do lado oposto. Stoeger importava pistolas em tres configurações básicas: modelo com 8″ de cano em cal. 9mm, modelo militar de 4″, também em 9mm, e um modelo baseado na 1906 em calibre 7,65mm, cano de 4″ 3/4 mas sem trava de empunhadura. A trava de segurança tinha a inscrição “SAFE” e o extrator trazia a inscrição “LOADED”.

Detalhe de uma Parabellum importada por A.F. Stoeger, com o brasão “American Eagle” gravado sobre a câmara.

Outra variante que chama muito a atenção são as chamadas Lugers “inglesas”, fabricadas pela casa Vickers, de Londres. Aliás, cumpre afirmar aqui que fora da Alemanha, somente dois países fabricaram essa pistola: a Inglaterra (Vickers) e a Suíça (Waffenfabrik Bern). A Holanda foi um dos países da Europa que mais encomendas fizeram à D.W.M. Por uma razão não muito bem esclarecida, e pouco antes da eclosão da I Guerra, a Holanda encomendou cerca de 10.000 pistolas aos ingleses e o porque assim o fizeram é um mistério, clientes assíduos que sempre foram da D.W.M. Sabe-se que a produção da Vickers durou de 1915 a 1917, sendo que neste período o governo holandes chegou a executar cerca de 20 pedidos consecutivos, em pequenas quantidades.

Luger Vickers do contrato holandes no período de 1915 a 1917 – cano de 4″, calibre 9mm e trava de empunhadura, sem encaixe de coronha. Note a inscrição em holandês “RUST” (segurança) na trava de segurança. 

AS LUGERS SUÍÇAS

Depois de terem importado 13.315 pistolas da D.W.M. desde o primeiro modelo 1900, em 1924 a Suíça resolve produzir, ela mesma, a pistola Parabellum. A D.W.M. nesta época não estava em condições de suprir a demanda suíça dentro da qualidade que ela estava exigindo e assim, forneceram à Waffenfabrik Bern os direitos de fabricação da arma. Essa empresa era um arsenal governamental, portanto sua produção seria dirigida totalmente ao mercado policial e às forças armadas. De 1924 a 1933 a Waffenfabrik Bern produziu 17.874 pistolas. Elas eram idênticas ao modelo 1906 em calibre 7,65mm, com cano de 4″ 3/4 e trava de segurança na empunhadura. Não possuíam o acabamento lustroso e razoavelmente brilhante das produzidas anteriormente pela D.W.M. e possuem algumas pequenas marcas de usinagem não eliminadas no acabamento. Porém, de um modo geral a qualidade dessas pistolas era idêntica às produzidas na Alemanha.

A pistola Parabellum (Luger)  fabricada em 1924 (modelo 1906) pela Waffenfabrik Bern, na Suíça, em calibre 7,65mm Parabellum – foto do autor

As talas da empunhadura, em madeira, eram zigrinadas à maneira das alemãs mas possuíam uma borda lisa na parte dianteira e posterior. O extrator era marcado com a palavra “GELADEN” (carregada) e ao invés do logotipo entrelaçado da D.W.M. na parte central do ferrolho, havia a inscrição Waffenfabrik Bern em duas linhas, e sobre ela a gravação do emblema da Cruz Suíça mas sem o tradicional desenho do sol brilhante, abaixo dela.

A partir do final de 1928 a Waffenfabrik Bern começa a produzir aquela que é uma das mais estranhas variações da Luger: o denominado modelo 1929. Embora baseada no conceito mecânico das 1906, ela não é necessariamente uma cópia fiel da Parabellum, e sim, uma alternativa mais simplificada e  mais barata de ser produzida.

O modelo suíço de 1929, com alterações no projeto visando maior facilidade e custo mais baixo de produção, em calibre 7,65mm Parabellum

O modelo 1929 foi fabricado até 1948 e exatamente 29.857 armas desse modelo foram produzidas. Suas diferenças em relação ao projeto original são notadas assim que são examinadas de bate-pronto. A empunhadura não possui a curvatura final existente na parte anterior, mas sim, traça uma linha reta desde o seu início na parte inferior do guarda-mato. As talas da empunhadura são de plástico negro, zigrinadas totalmente. Todos os demais acabamentos recartilhados existentes na Luger original foram eliminados, utilizando-se superfície lisa, como nas rodilhas do ferrolho, botão de retirar o carregador, tecla da trava de segurança e alavanca de desmontar.

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A trava de empunhadura é quase o dobro mais longa que nas 1906, a placa quadrada de cobertura do mecanismo do gatilho foi redesenhada e a própria tecla do gatilho foi simplificada. A alavanca da trava de segurança possui a letra “S” (Sicher) gravada em branco, indicando a posição de arma travada.

Detalhe da parte superior da pistola modelo 1919 – Como o exemplar da foto, a letra P gravada sobre o número de série indica que a arma foi “desmilitarizada”, ou seja, repassada para a população civil.

O PERÍODO PRÉ II GUERRA

Em 1933 o Partido Nazista assume o governo na Alemanha, com Adolf Hitler tomando posse como chanceler; a partir daí, as restrições impostas pelo Tratado de Versalhes passaram a ser descaradamente desobedecidas; o novo governo iniciou um investimento de grande monta em material bélico, o que era claramente proibido à Alemanha. Era o início da mais poderosa “máquina de guerra” que a Europa e o mundo jamais tinham visto antes.

Desde 1937 a tradicional fabricante de armas Carl Walther, cujas pequenas pistolas modelos PP e PPK já eram muito utilizadas e apreciadas como armas de defesa pessoal por oficiais das forças armadas, cortejava o Governo Alemão com o intuito de fornecer uma nova arma, que entraria para as fileiras do Exército em substituição às Parabellum P. 08. Neste mesmo ano, a Walther submete à testes de campo seu modelo HP, que foi muito bem aceito e elogiado pela comissão, pois tratava-se de uma pistola com características avançadas e sem alguns dos problemas críticos que as Luger costumavam apresentar, como falhas de operação devido à excesso de sujeira, óleo e poeira, que facilmente penetravam no mecanismo, muito justo e parcialmente exposto. Uma certa intolerância em relação à munição também era um caso sério na Luger, pois em tempos de guerra a qualidade e a inspeção final são muito desprezadas, o que resultava cartuchos mal feitos que não funcionavam bem na pistola.


A pistola Walther P38 em calibre 9mm Parabellum

A comissão alemã, que pouco antes do início da II Guerra  já estudava a substituição das pistolas Luger decide então, em 1938, adotar a pistola da Walther, que passou a receber a denominação de P. 38, ou seja, Pistole 38. Porém, com a invasão da Polônia pela Alemanha logo depois, em 1939,  a pistola Luger entra na guerra ainda como a arma individual mais presente nas mãos da  Wermacht, da Kriegsmarine e da Luftwaffe (exército, marinha e aeronáutica, respectivamente) bem como muito utilizada pelas tropas independentes, tais como as S.S.

Para saber mais sobre a pistola Walther P.38 e sua gradual substituição em tempos de guerra, leia aqui o nosso artigo Armas Curtas na II Guerra Mundial e também a sua história em As Pistolas Walther.

A II GUERRA MUNDIAL

A substituição das Lugers pelas P.38 em tempo de guerra foi feita paulatinamente, sendo que a nova pistola P.38 necessitava ser fabricada por outros fornecedores, pois só a Carl Walther não possuía condições para suprir toda a demanda. Dessa forma, a Alemanha contou durante muitos anos com a utilização das duas armas, simultaneamente.

Pistola Luger (Parabellum)  “New Model” do tipo 1908, adotada pelo Exército Alemão em 1908, em calibre 9mmX19 (9mm Parabellum) e  ainda utilizada durante a II Guerra

Já desde antes do início da guerra, a Alemanha adotou diversos códigos destinados a identificar os fabricantes de seus materiais bélicos, também com o intuito de confundir os aliados quanto à descoberta deles e de suas localizações. A partir de 1934, a  Mauser passa a usar o código S/42 e pela primeira vez o famoso “banner” da Mauser passa a ser usado no lugar do monograma da D.W.M. As armas com o banner Mauser eram, supostamente, para fins comerciais. Códigos também foram criados para identificar a data de fabricação, como as letras K para 1934 e G para 1935.

Era uma P-08 padrão, cano de 4″, engate de coronha e sem trava de segurança na empunhadura. Essa marcação era mais um dos intricados códigos criados na Alemanha, a fim de dificultar em tempos de guerra, quais eram e onde se situavam os fabricantes de armas. Foram produzidas milhares de pistolas com a marcação S/42. O acabamento era o oxidado à banho quente, inclusive no carregador (em algumas variantes), e este possuía o botão inferior em alumínio ao invés de madeira.

Pistola P.08 de fabricação Mauser, código “42” e o “banner” do fabricante gravado sobre o ferrolho. Essa pistola exibe o raro dispositivo de segurança denominado de Schiwy Sicherung, patenteado em 1929 pelo berlinense Ludwig Schiwy. O propósito desse dispositivo era o de evitar o disparo da arma pelo pressionamento acidental da barra de disparo “sear”, quando se removia a placa quadrada lateral. Coleção particular.

Em 1935, conforme rumores que circularam nos meios industriais, por influência e interesse financeiro do Marechal Hermann Goering, o homem mais forte do Governo depois de Hitler, o fabricante Heinrich Krieghoff Waffenfabrik (Suhl), que mantinha relações de amizade com Goering, passou a ser um fornecedor alternativo das P.08 para o governo, apesar de que a capacidade de produção era muito abaixo do que possuía a Mauser.  Até 1939, a Krieghoff não produziu nenhuma pistola completa: ela simplesmente as montava. Segundo documentos obtidos pós guerra, até o número serial 9.000 as pistolas eram montadas e os 4.000 restantes foram, realmente, produzidas pela fábrica.

A bem da verdade, Krieghoff recebeu de “mão beijada” todo o ativo da Simson & Co., de Suhl. A política anti-semita nazista não permitia que judeus possuíssem propriedades  e empresas, e a Simson foi confiscada pelo governo e assim, presenteada ao amigo de Goering.

Detalhe da parte superior de uma P.08 Mauser, onde se vê os códigos “42” e “byf” gravados na arma.

Em 1941 a Mauser recebeu um novo código “byf” e muitas das pistolas dessa época foram datadas sobre a câmara com os anos de 1941 e 1942. Com a demanda do Governo crescendo em direção à substituição das Lugers pelas Walther P38, a Mauser iniciou a produção desta pistola em julho de 1941, sendo que 340.000 delas saíram de sua fábrica. A produção das P.08, portanto, começava a declinar vertiginosamente.

Documentos comprovam que a Mauser cessou a produção da P-08 em junho de 1942 e que apesar da Alemanha estar em plena guerra, em dezembro de 1942 a Mauser fecha um contrato com Portugal de 4.000 pistolas em calibre 9mm, denominadas de Portuguese Contract M943. De setembro de 1939 até o final da produção das Lugers em junho de 1942, foram produzidas pela Mauser 316.898 armas para a Wehrmacht (Exército), 8.000 para a Kriegsmarine (Marinha)  e 88.000 para a Luftwaffe (Aeronáutica), num total de 412.898 pistolas.

Pistola P.08 de fabricação Mauser, código “byf” de 1942, uma das últimas Lugers produzidas por aquela marca. 

Afortunadamente para seus habitantes, Oberndorf não sofreu danos durante a guerra. Nenhuma bomba caiu e nenhuma granada explodiu ali para quebrar a tranquilidade e serenidade da Floresta Negra. Com o final da guerra eminente e inevitável, os funcionários da fábrica da Mauser assistiam agora, calmamente, a entrada do Exército Francês que tomou a cidade como as Forças de Ocupação. Em 1946, acredita-se que a Mauser ainda chegou a montar uma certa quantidade de pistolas P.08, utilizando-se principalmente de peças remanescentes nos estoques, e que foram enviadas e comercializadas na França. Isso também ocorreu em Suhl, com a Krieghoff, que caiu nas mãos dos americanos. Diversas pistolas foram produzidas e também levadas aos Estados Unidos,  provavelmente por pessoal militar.

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Um fabuloso painel, de coleção particular, reunindo 14 variações da Parabellum, cena só vista raramente em acervo de colecionadores: 1- Navy 1906, 2-Persian Artillery, 3-1920 Carbine, 4-Royal Dutch AF (Força Aérea Holandesa), 5- 1902 Carbine, 6-1916 Navy, 7-1915 Artillery, 8- Magazine-Counter Luger, 9-1923 cano de 16″, 10-1923 Stoeger, 11-1906 Amercican Eagle, 12- 1902 American Eagle, 13- Bulgarian, 14-1923 cano de 12″.  Ao fundo, diversas condecorações alemãs das I e II Guerras. 

ACESSÓRIOS DIVERSOS

Durante sua existência as pistolas Parabellum foram equipadas e fornecidas com uma infinidade de acessórios, compreendendo ferramentas para limpeza e desmontagem, carregadores especiais, coldres, coronhas e kits de conversão de calibres.

De cima para baixo e da esquerda para a direita, (1) modelo Naval, (2) pistolas com cano de 4″ 3/4, (3) Holandes, (4) Suéco, (5) Suíço, (6) para canos de 8″, (7) Militar alemão para P.08 e (8) American Eagle (testes de 1901)

Os coldres eram manufaturados em couro e geralmente apresentando muito boa qualidade de acabamento, nas cores preta e marrom. Alguns modelos eram dotados de tampas e corpo mais rígidos, dependendo de suas variações. Convém lembrar que os coldres, a exemplo do que ocorria também com as coronhas, nem sempre eram desenvolvidos pela D.W.M. e sim, pelos próprios países que importavam a pistola. Existem inúmeras versões de coldres desenvolvidos na Suíça, Holanda, Bulgária e Suécia, geralmente projetados para alguma unidade específica, seja ela militar ou policial.

Coldre “GNR” com bolsa avulsa para dois carregadores, chave de fenda / municiador, vareta de limpesa com compartimento para lubrificante e saca-pinos. 

As coronhas eram também de diversos tipos, acompanhando a arma ou sendo vendidas separadamente. Alguns modelos, construídos em uma só peça de madeira maciça, possuíam algumas aberturas feitas na madeira especialmente para permitir a montagem de alças de fixação dos coldres de couro.

Vemos acima as coronhas para pistola Borchardt, Luger Naval, Carabina e coronha para pistola com 8″ de cano.

Essas coronhas acima eram destinadas às pistolas modelo Artillery e lembram muito as usadas pelas pistolas Mauser C96, servindo para armazenar a arma em seu interior.

Um dos acessórios das Parabellum que sempre chama mais a atenção é o carregador de tambor, denominado de “snail-drum”. Apesar de terem sido originalmente concebidos para serem usados nos modelos Artillery, na verdade esse acessório poderia ser utilizado em qualquer modelo da pistola, uma vez que se encaixa no alojamento do carregador, que era o mesmo para todas elas. Tinha a capacidade para 32 cartuchos e um tanto demorado e complicado de ser carregado. O tambor não podia ser aberto, tal como ocorria com os utilizados pelas metralhadoras Thompson, o que agilizaria em muito o processo. Os cartuchos tinham que ser inseridos um a um. A primeira dúzia deles entrava com certa facilidade e sem uso de ferramentas mas, a  partir daí, era necessário usar a ferramenta auxiliar que acompanhava o conjunto. Os “snail-drums” só trabalhavam com cartuchos calibre 9mm.

Conjunto carregador para 32 cartuchos onde se vê adaptador, tampa de proteção e dispositivo com alavanca para auxiliar o processo de carregamento.

Mesmo durante os anos pré-guerra na Alemanha, alguns pequenos fabricantes independentes lançaram kits de conversão para calibres menores, geralmente em .22Lr ou 4mm, para uso nas pistolas Parabellum. Entretanto, nenhum deles teve tanto sucesso comercial como o kit lançado pela empresa Erma (Erfurt Machinen), a mesma empresa que fabricava as famosas sub-metralhadoras MP-38 e MP-40. Após a II Guerra, com a enorme penetração que as pistolas Luger tiveram nos USA, levadas aos montes como souvenir de guerra e também adquiridas em lotes e aos milhares, como sobras de guerra, por empresas que souberam aproveitar muito bem esse filão do mercado, o kit de conversão da Erma virou um “must” naquele país.

As versões mais antigas, destinadas a unidades militares com a finalidade de treinamento, eram alojadas em caixas de madeira como a que vemos na foto abaixo.

O conjunto em calibre .22, o mais popular, consistia em um carregador, um cano, uma manga rosqueada para fixação do cano e um conjunto de ferrolho. Desmontava-se a pistola, retirando-se o ferrolho e inseria-se o cano do kit pela parte posterior, por dentro do cano original, no caso sempre em calibre 9mm. Como esse cano era mais longo, a parte dianteira saía pela boca do cano e aí se atarrachava uma rosca de fixação. O próprio ferrolho possuía suas molas recuperadoras e, obviamente, embora lembrassem o sistema de ação de joelho original da arma, não atuavam como travamento de culatra, desnecessário devido ao calibre de baixa potência; neste caso, como não havia recuo de cano, o ferrolho se abria como numa pistola do tipo “blowback“.

Material promocional da década de 50, distribuído pela importadora americana Interarmco, de Washington, revendedora exclusiva dos kits de conversão da Erma nos USA. 

A NUMERAÇÃO SERIAL

A sequencia utilizada para a numeração serial das pistolas seguiam 3 maneiras. As armas comerciais iniciavam em 1 e a contagem prosseguia normalmente. Os contratos possuiam sua própria sequencia numérica, iniciando em 1 e prosseguindo até o término do contrato, como ocorreu com o Brasil. A sequencia militar também iniciava em 1 e ao chegar em 10.000, retornava ao número 1 mas seguido da letra “a”. Ao atingir novamente a casa dos 10.000, o serial 1 agora era acrescido da letra “b” e assim, sucessivamente.

Os números seriais completos eram, com raríssimas exceções, timbrados na parte dianteira da armação, acima do guarda-mato, e embaixo do cano, quase na sua junção com a armação. Os dois últimos dígitos da numeração serial eram timbrados em quase todas as peças restantes, indicando assim que as peças eram “casadas” com a armação e faziam parte dela originalmente. Nos primórdios da produção até pré II Guerra, as peças das pistolas comerciais, de contrato e militares possuíam a numeração camuflada, dentro do possível, por motivos estéticos. Durante a II Guerra, em armas produzidas pela DWM ou Mauser, e por outros arsenais e fabricantes, já não se tinha muito essa preocupação da aparência, e os dois dígitos começaram a ser carimbados nas faces expostas da arma.

OS RE-LANÇAMENTOS MODERNOS

Pelo menos em duas ocasiões as pistolas Parabellum tiveram a chance de serem ressucitadas. Em meados da década de 70, a Mauser Waffenfabrik localizou um maquinário desativado, pertencente à Waffenfabrik Bern, Suíça, o  mesmo que foi destinado para a fabricação do modelo suíço de 1929, já comentado acima. Com esse equipamento em mãos, a Mauser, em comum acordo com uma importadora norte americana, a Interarms, sediada na Virgínia, resolve bancar a produção de um lote de pistolas que seriam postas à venda no mercado americano.

Entretanto, a empreitada teria feito muito mais sucesso se o modelo relançado não fosse baseado no modelo suíço de 1929, que como já descrito acima, diferenciava bastante das pistolas “tradicionais”. De qualquer maneira, a Mauser produziu essas pistolas até 1986 e todas foram vendidas. Embora o calibre original da 1929 fosse o 7,65mm, essa nova versão também foi oferecida em 9mm Parabellum, tentando com isso atingir um leque maior de consumidores.

A “nova” Luger 29/70, produzida pela Mauser e comercializada na forma deste kit, nos USA

Heinrich Krieghoff, como já comentado acima, até hoje um fabricante alemão de armas esportivas de excelente prestígio no mundo, produziu pistolas 13.850 pistolas P-08 durante 1934 a 1945, tentando suprir a grande demanda que a Mauser, sozinha, não conseguia fornecer. Em 2006, a empresa, com apoio de divulgação e vendas da Simpson Ltd, USA, decide produzir um lote de somente 20o peças, numeradas serialmente de 18001 a 18200, mas agora um modelo exatamente idêntico ao P-08, em calibre 9mm., denominadas de 2006 Limited Edition. Veja material promocional aqui: http://www.krieghoff.com/ki/pdf/Parabellum%20Flyer.pdf

O kit lançado pela Heinrich Krieghoff vendido nos USA, a preços que chegaram a US$ 18.000,00

Essa nova pistola foi fornecida com carregador niquelado com botão inferior em alumínio, ferramenta de desmontagem, manual, placas de empunhadura de baquelite, estampa do fabricante sobre o ferrolho e usinada totalmente de acordo com os métodos da época. Além disso, o kit era embalado em uma maleta feita de um bloco maciço de alumínio e usinado internamente para o encaixe das peças, maleta que é guardada em uma sacola com alças. Não há mais oferta dessas peças à venda, como novas. Todas as 200 peças já foram comercializadas anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma termina, depois de mais de 40 anos, a jornada histórica dessa fabulosa arma. Nenhuma outra pistola semi-automática, até hoje fabricada carregou em suas costas tanta mística e tanta idolatria. Em todos os anos de sua existência, a Parabellum foi adotada e utilizada por dezenas de países, sendo que em alguns, como na Suíça, permaneceu mais tempo em serviço do que no seu próprio país de origem. Por mais críticas que possa ter recebido, algumas até justificadas, e por mais defeitos que possa ter (e qual arma não os possui?), a pistola Parabellum foi um dos projetos de maior sucesso comercial e militar no mundo. É uma das pistolas que possui a melhor pontaria instintiva já fabricada, pelo seu excelente balanço e ergonomia.

Ela teve a honra de ter sido a primeira arma no mundo a utilizar o cartucho 9mm (9X19), hoje padrão mundial nas maiores forças armadas do planeta e o cartucho de maior sucesso já projetado até hoje. Pouquíssimas armas curtas rivalizam com a Luger tamanha legião de aficionados, admiradores e colecionadores, alguns deles chegando ao ponto de dedicarem coleção exclusivamente à ela, reunindo o maior número possível de variações, que podem chegar a mais de 300, já catalogadas. Não há nenhuma coleção de armas curtas, ou mesmo coleções expostas em museus de todo o mundo, em que não haja pelo menos um exemplar dessa arma.

Nem mesmo o Brasil escapou de sua influência. Além de ter sido utilizada pelo nosso Exército a partir de 1908, a Luger foi participante ativa dos conflitos envolvendo o cangaço nordestino. Consta que o famoso Lampião, e vários outros seus companheiros de bando, ostentavam suas Parabellum com muito orgulho.

Ao lado, nesta famosíssima e degradante foto, exibindo-se como troféus as cabeças decapitadas de Lampião e vários outros de seu bando, nota-se pelo menos tres exemplares de Parabellum, por ali espalhadas. Clique na foto, para maior ampliação de detalhes.

Como todo objeto mítico, fábulas e lendas também rodeiam a história dessa arma. Aqui, no site Lampião Aceso, meu prezado amigo Aurelino Fábio, brilhante historiador e estudioso de armas e do cangaço que é, nos descreve fatos interessantíssimos da convivência dos cangaceiros com suas armas, bem como do coronelismo que imperava no sertão nordestino durante os anos 20 e 30 do século passado.

APÊNDICE 1: COMO FUNCIONA O SISTEMA DE “AÇÃO DE JOELHO” (TOGGLE-JOINT)

O sistema de trancamento de ferrolho denominado de “toggle-joint”, algo como “articulação de joelho” em tradução literal, consiste em três segmentos unidos e articulados entre si por pinos, como se fossem dobradiças, e que na sua posição de repouso, ou seja, culatra totalmente fechada, os eixos desses tres pinos ficam perfeitamente alinhados, sem a possibilidade de se desarticularem a não ser que sofram alguma ação externa. Veja no esquema abaixo, as três peças que compõem o ferrolho se articulam por tres pinos, em vermelho, que nesta posição estão perfeitamente alinhados. Da forma como estão, se houver um disparo do cartucho, essa culatra não se abrirá, a não ser que ocorra um evento que provoque a desarticulação do ferrolho.

Um teste fácil pode ser feito para ilustrar o sistema na prática: estando a arma com a culatra fechada, obviamente sem cartucho na câmara; segurando a arma pelo seu cano, insere-se pela boca do cano, usando a outra mão, uma vareta rígida até que ela atinja a cabeça do ferrolho.  Pressiona-se então mais fortemente tentando empurrar e abrir o ferrolho. Ele não se abrirá, pois as articulações estão perfeitamente alinhadas. Essa pressão exercida pela vareta é análoga a um cartucho disparado, tentando empurrar o ferrolho para trás.


O sistema ação de joelho “toggle joint” da pistola Parabellum (Luger). Os pontos vermelhos indicam as três articulações do ferrolho, que ficam perfeitamente alinhadas quando a arma está fechada. Note a biela (em formato de S) e o “link” (em formato de um V) de ligação da última parte do ferrolho com a mola recuperadora, posicionada na empunhadura, atrás do carregador.

Na foto acima, o ferrolho de tres seções extraído da armação e com os pinos alinhados horizontalmente – a rodilha possui um pino interno, junção da segunda com a terceira seção – a biela pendente da última seção serve de ligação com a mola recuperadora. 

Aqui vemos o conjunto do ferrolho desarticulado, onde se percebe claramente as três seções.

Desenho esquemático com o ferrolho totalmente desarticulado e aberto

Culatra iniciando o movimento de abertura, logo após o recuo do cano e as rodilhas terem sido levantadas de sua posição quando pressionadas contra as rampas laterais da armação

Imaginando-se a arma carregada, com um cartucho na câmara e pronta para o disparo. A culatra está fechada e trancada, pois os três pinos de articulação estão alinhados horizontalmente. Ao se disparar o tiro e ao sair o projétil pela boca do cano, todo o conjunto composto de cano, prolongamento do cano e ferrolho, recuam alguns milímetros, solidários, por ação dessa força. Durante esse recuo inicial, o ferrolho permanece fechado com seus eixos alinhados.

Entretanto, devido ao movimento para trás, as duas rodilhas laterais do ferrolho, que possuem um pino de articulação em seu centro, são lançadas contra duas rampas existentes na armação, uma de cada lado (veja foto acima) que causa o seu levantamento. É neste instante que se quebra o alinhamento do ferrolho. A energia remanescente e já bem diminuída dos gases da queima do cartucho continuam a impulsionar o ferrolho até que ele se abra completamente, extraindo o cartucho da câmara.

Acima, desmontagem parcial do ferrolho com a retirada do percussor, mola e retém. Note a biela em forma de um S fixada à última parte do ferrolho, que serve de ligação com a mola recuperadora.

Assim que o ferrolho se abre totalmente, inicia-se o ciclo de recarregamento da arma, pois com a ação da mola recuperadora, que foi comprimida durante a abertura, ocorre uma força sobre a biela de ligação com o ferrolho e o mesmo retorna à sua posição inicial, inserindo novo cartucho na câmara e engatilhando o percussor.

APÊNDICE 2: DESMONTAGEM

As pistolas Parabellum foram desenvolvidas para que permitam sua desmontagem sem uso de ferramentas. Seus dois únicos parafusos são os que fixam as talas de madeira à empunhadura. O restante da arma é desmontado, pelo menos até uma determinada etapa, somente com as mãos.

Certifica-se primeiro que a arma se encontra desmuniciada. Retira-se o carregador pressionando-se o botão retém. Abre-se a culatra e examina-se se há algum cartucho alimentado na câmara; caso houvesse, o mesmo já foi devidamente ejetado. Empunhando-se a arma com a mão direita, apoia-se a boca do cano sobre uma superfície firme mas que não machuque a peça, como uma base de borracha dura.

Faz-se pressão da arma contra essa base até que o cano recue na sua posição máxima. Com a mão esquerda, gira-se 90º para baixo o retém do conjunto cano-ferrolho, situado logo à frente do gatilho. Retira-se assim a chapa quadrada que cobre o mecanismo do gatilho. Alivia-se a pressão sobre o cano e agora é possível puxar o conjunto cano-ferrolho para a frente, retirando-0 da armação. Ao puxar esse conjunto, atente para a pequena biela existente na parte posterior do ferrolho, peça que se conecta no balancim da mola recuperadora.

Se houver necessidade, o gatilho pode ser removido bastando puxá-lo para fora de seu alojamento, tomando cuidado de não perder a mola espiral existente ali. O último pino de articulação do ferrolho, na parte posterior, pode ser removido facilmente pressionado o mesmo do lado direito para o lado esquerdo. Retirando-se esse pino, o ferrolho completo pode ser retirado do prolongamento do cano, deslizando-o para trás.

O percussor pode ser facilmente retirado, usando uma chave de fenda pequena, pressionando-a contra a fenda existente no retém (parte posterior da cabeça do ferrolho) e girando esse retém em 90º. Segure um pouco a leve pressão da mola e retire o conjunto retém, mola e percussor.

As talas de madeira podem ser retiradas com a remoção dos dois parafusos laterais. A desmontagem após essa etapa raramente é necessária, uma vez que neste estado a pistola pode ser facilmente limpa e lubrificada.

Visão geral  uma desmontagem parcial de uma 1908 em calibre 9mm

Vista explodida de uma 1906 em calibre 7,65mm com trava de empunhadura – somente o conjunto da ação de joelho permaneceu montado, o que é aconselhável. 

Detalhe da tecla do gatilho e da alavanca retém de desmontagem – foi retirada a placa lateral que cobre o gatilho, que possui uma alavanca articulada internamente, que faz a união do gatilho com o pino da armadilha, visto claramente na foto. 

Vista explodida da pistola P.08

APÊNDICE 3: DADOS ESTATÍSTICOS RELEVANTES

A DWM iniciou a produção de pistolas em 1900, sendo assim a primeira empresa a produzí-las. A maioria das armas fornecidas para contratos internacionais, uso comercial e militar foram produzidas por ela, em número estimado em pouco mais de um milhão de armas. A DWM foi resultado da fusão da Deustscha Metallpatronenfabrik estabelecida em Karlsruhe com a Ludwig Loewe, de Berlim. Produziram todas as pistolas existentes até 1908. De 1908 até o final da I Guerra em 1918, produziu a metade de todas as armas fornecidas ao governo. A empresa que compartilhou com a DWM a produção de armas foi a Simson & Co., de Suhl. A DWM cessou as atividades em 1930, quando se fundiu com a Mauser Werke. A qualidade de fabricação, esmero e acabamento das armas da DWM sempre foram do mais alto padrão.

Erfurt foi o arsenal imperial alemão, que também produziu Lugers de 1910 a 1918. Erfurt chegou a  produzir cerca de 520.000 e elas são, em termos de aparência e acabamento, as menos atrativas, com muitas marcas de usinagem em peças aparentes. Entretanto, a qualidade do material era excelente e a confiabilidade das armas, idem. Após a guerra, com a implantação da República de Weimar, seus equipamentos foram confiscados e vendidos à ERMA Werke.

A Vickers produziu pouco mais de 10.000 armas, a maioria para suprir a demanda do Governo Holandes. No início a DWM fornecia à Vickers componentes pré ou totalmente acabados, deixando montagem e ajustes por conta da empresa. O acabamento das Lugers produzidas pela Vickers também é rústico, apesar de ainda utilizarem a oxidação à frio.

A Waffenfabrik Bern, na Suíça, produziu Lugers de 1924 a 1929, com um total estimado de 48.000 armas. A Simson & Co., por sua vez, produziu pistolas durante e após a I Guerra. Neste período, e empresa ficou estritamente vigiada por comissões estrangeiras, conforme ditavam as regras do Tratado de Versalhes. Pistolas padrão P08 militares e policiais foram feitas ali de 1922 a 1934. Por ser uma empresa pertencente a família de origem judia, sofreu confisco após os nazistas subirem ao poder. Cerca de 12.000 pistolas foram fabricadas pela Simson. A qualidade geral de manufatura era a mesma do padrão da DWM.

Em 1930 a Mauser Werke assumiu as operações da DWM, através da empresa BKIW (Berlim-Karlsruhe Industrie Werke), que era a acionista majoritária da DWM. De 1934 em diante, a Mauser produziu as pistolas tanto para uso comercial, contratos externos e uso policial. Tornou-se o principal fabricante da Luger, até cerca de 1942. O que principalmente causou a interrupção da produção das Lugers foi a introdução da pistola Walther P38, adotada pelo governo alemão em substituição à Luger. A Mauser chegou a  produzir quase um milhão de pistolas Parabellum, quase se equiparando à DWM. Alta qualidade e boa aparência final era o padrão dessas armas. A eles se credita à mudança do acabamento externo de oxidação à frio para oxidação à banho quente.

Heinrich Krieghoff era um fabricante de espetaculares rifles de caça e armas esportivas. Krieghoff achou oportuno se aproximar da Luftwaffe de Herman Goering, detalhe que outras empresas nunca relevaram. Com isso, estreitaram os laços de amizade com o lider nazista. Com o confisco da Simson, a Krieghoff abocanhou todo o ativo daquela empresa e começou a produzir as Parabellum, com um contrato com a Lufwaffe de 10.000 armas. A produção das metralhadoras MG-15 e o fuzi, FG-42 também fez parte da produção da empresa. Por volta de 14.000 pistolas foram feitas pela Krieghoff, todas em acabamento oxidado à banho quente, como as Mausers. Foram as pistolas que mais aceitavam intercambiabilidade de peças com facilidade, algo que era crítico nas armas de outros fabricantes.

Resumo Cronológico:

1849 – Nasce Georg Luger na região do Tirol, Áustria.
1860-1892 – Hugo Borchardt trabalha em vários projetos de armas nos USA e faz os primeiros esboços da sua pistola.
1891 – Georg Luger inicia seus trabalhos na Ludwig Loewe.
1893 – A Ludwig Loewe de Berlin inicia a produção em série da pistola Borchardt.
1896 – Luger patenteia seu primeiro protótipo da sua pistola.
1898-1899 – A D.W.M. inicia os projetos de fabricação.
1900 – A Suíça faz sua primeira encomenda da pistola Parabellum.
1902 – George Luger projeta o cartucho 9mm (9mmX19mm)
1904 – A Marinha Alemã adota a pistola Parabellum.
1906 – George Luger faz suas primeiras alterações de grande monta na pistola.
1907 – Luger leva pessoalmente duas pistolas em calibre .45 para testes do Exército Americano.
1908 – O Exército Alemão adota a pistola com o nome de P-08 em calibre 9mm.
1914 – Inicia-se a produção da Parabellum modelo “Artillery”.
1929 – A Waffenfabrik Bern, na Suíça, resolve fabricar seu modelo próprio.
1930 – A B.K.I.W incorpora a Mauser e a D.W.M. em uma só companhia.
1937 – Aparece a substituta da P-08 no Exército – a Walther P-38.
1939 – A II Guerra Mundial eclode na Europa.
1942 – Cessa a produção da pistola Parabellum.
1945 – Sob ocupação francesa, a Mauser Werke retoma a produção em baixa escala da pistola, inclusive em versões como a Artilharia.
1969 – A Mauser Oberndorf resolve, após ressucitar maquinário e ferramental original, produzir as pistolas Parabellum, cuja produção durou até 1986.

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Written by Carlos F P Neto

09/06/2011 às 17:26

67 Respostas

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  1. Tenho uma Luger modelo naval 1st Issue, marcada do estaleiro de Kiel, estou a um tempo tentando achar acessórios dela como a coronha, coldre, e outro carregador com os círculos na base. Quem sabe dou a sorte de encontrar os originais dela que estão perdidos em alguma coleção por aí…

    diegolerroy

    11/03/2024 at 0:42

  2. Tenho uma Luger modelo naval 1st Issue, marcada do estaleiro de Kiel, estou a um tempo tentando achar acessórios dela como a coronha, coldre, e outro carregador com os círculos na base. Quem sabe dou a sorte de encontrar os originais dela que estão perdidos em alguma coleção por aí…

    Diego

    11/03/2024 at 0:35

  3. Diego, mande-nos e- mail para armasonline@gmail.com. Abraços.

    Carlos F P Neto

    24/01/2024 at 22:01

  4. Tenho uma Luger DWM 7,65 e estou precisando de algumas peças internas dela, trava do ferrolho, carregador.

    Diego Moyano

    24/01/2024 at 20:06

  5. Parabéns, caro amigo, conserve-a assim !!

    Carlos F P Neto

    07/10/2023 at 15:08

  6. Tenho uma Parabellum 1906 – “Luger do Contrato Brasileiro” com Nº de série inferior a 3000. Alias o Número dela é 20×6. O estado desta verdadeira relíquia é excelente, apesar de algumas peças não terem a numeração correta é uma peça histórica incrível!

    Frédéric Decatoire

    27/09/2023 at 14:11

  7. Rafael, primeiramente não existiram Lugers feitas para o exército Brasileiro na II guerra. O que houve foi um contrato com o governo para fornecimento de 5000 pistolas, mas em 1906. Essas armas não foram utilizadas como armamento padrão do Exército Brasileiro na II guerra.

    Carlos F P Neto

    24/06/2021 at 15:12

  8. Bom Dia, qual o valor hoje de uma luger feita para o exercito brasileiro na segunda guerra?

    RAFAEL KNEIPP GIARETA

    24/06/2021 at 10:08

  9. Um sonho de arma. Pelo histórico e por seu mecanismo. Pena ser difícil encontrar a venda no Brasil.

    Maico

    07/09/2020 at 21:13

  10. Caio, sim, pode entrar em contato através do e-mail armasonline@gmail.com. Abraços.

    Carlos F P Neto

    16/07/2020 at 21:04

  11. Boa tarde lendo sua publicação e o vasto conhecimento que possui sobre as luger gostaria de tirar algumas duvidas, pois na dade de hoje 13/07/2020 ao desculpar um deposito de família fechado por mais de 40 anos encontramos uma pistola luger com seu coldre e caixa de munições, esta a qual a embalagem ja encontra-se deteriorada pelo tempo. você poderia me ajudar a tirar umas duvidas sobre ela?

    caio cezar da silva santos

    13/07/2020 at 11:22

  12. A numeração seguida de uma letra não segue o padrão do contrato, nem o calibre. O serial está no cano e na armação? De imediato, tudo indica tratar de uma pistola canibalizada. Mande fotos, agradeço.

    Carlos F P Neto

    14/07/2018 at 15:32

  13. Carlos, estou analisando armas do Museu da Polícia Militar de Sergipe e neste museu há uma Luger “Brazlian” 1906 de calibre 9mm e com cano de 10cm. O número serial na parte dianteira da armação, logo abaixo do cano, é “1964a”. Contudo, os números seriais localizados no ferrolho é “14” (sendo que deveriam ser “64”, uma vez que representariam os últimos dois dígitos do número serial). O ferrolho foi trocado ou será que o número serial na dianteira da armação foi punçado? Se quiser lhe passo as fotos via e-mail

    fdnio2

    14/07/2018 at 14:30

  14. Carlos, estou analisando armas do Museu da Polícia Militar de Sergipe e neste museu há uma Luger “Brazlian” 1906 de calibre 9mm e com cano de 10cm. O número serial na parte dianteira da armação, logo abaixo do cano, é “1964a”. Contudo, os números seriais localizados no ferrolho é “14” (sendo que deveriam ser “64”, uma vez que representariam os últimos dois dígitos do número serial). O ferrolho foi trocado ou será que o número serial na dianteira da armação foi punçado? Se quiser lhe passo as fotos via e-mail

    Daniel

    14/07/2018 at 14:29

  15. Muito obrigado pelas informações Sr. Carlos!!

    Danilo Martins

    13/07/2018 at 13:15

  16. Danilo, todas as Lugers pré II Guerra eram, na maioria, oxidadas à frio. O que mais chama a atenção nesse método, em comparação à oxidação em banho quente, é o fato de que como as peças não sofrem imersão total, as partes internas da arma continuam “brancas”, na cor do aço. Esse fato por si já indica se a arma sofreu reoxidação ou não. Agora, se a peça foi reoxidada, mas a frio, o que não é nada comum, somente pessoal mais experiente para identificar a originalidade, baseando-se na tonalidade e no brilho das peças.

    Carlos F P Neto

    12/07/2018 at 21:22

  17. Prezado Carlos, como é possivel diferenciar uma Luger original de uma reoxidada? O que procurar?

    Danilo Martins

    12/07/2018 at 17:18


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