A Submetralhadora INA
A interessante e curiosa história da Indústria Nacional de Armas começa longe do Brasil, no início da Segunda Guerra Mundial, quando os alemães invadiram a Dinamarca. Exatamente neste período conturbado, o oficial do Exército Brasileiro, Plínio Paes Barreto Cardoso estava neste país em visita oficial. Os dinamarqueses confiaram a ele alguns projetos de armas, inclusive o de uma metralhadora leve, que são trazidos ao Brasil, para longe das mãos dos inimigos. Finda a Guerra e restituídos os projetos, o Dansk Industrie Syndikat cede por gratidão os direitos da fabricação da submetralhadora Madsen, modelo 1946 ao então Gen. Plínio. Assim em 1949, presidida pelo General R-1 Plínio Paes, é fundada a Indústria Nacional de Armas – INA, no bairro de Utinga, na cidade de Santo André, Estado de São Paulo.
A sub-metralhadora INA, em calibre .45ACP, adotada pelo Exército Brasileiro, com sua coronha articulada na posição aberta (foto: Manual de Operação EB-1956, do autor)
A nacionalização da metralhadora INA e sua adaptação para o cartucho .45ACP iniciou-se na Fábrica de Itajubá, nas mãos de Euclydes Bueno Filho, engenheiro de armamento formado pelo IME em 1947. Posteriormente o engenheiro Euclydes foi transferido para a fábrica da INA, com o cargo de diretor técnico. Ele relata dos inúmeros problemas surgidos com essa adaptação, oriundos do tipo de pólvora, ejeção dos cartuchos e diversos outros.
A primeira arma adaptada e produzida pela INA foi testada pelo Mal. Estilac Leal com a presença do Mal. Henrique Teixeira Lott. O engenheiro Euclydes foi, posteriormente, agraciado com a arma de Nº 5, que segundo consta ainda pertence à sua coleção particular devidamente desativada.
Daí em diante, o carro chefe da INA passou a ser a produção da submetralhadora M1950 (uma modificação da já citada Madsen M1946, sendo as diferenças principais da original dinamarquesa a mudança do calibre de 9 mm Parabellum para o 45 ACP, embora isso não fosse propriamente um problema, pois dizem que a própria Madsen fez protótipos nesse calibre. O calibre .45ACP era o calibre de arma curta padrão, adotado pelo Exército Brasileiro desde a aquisição dos primeiros lotes da pistola Colt Government, em 1937. Havia pois a evidente necessidade da padronização do calibre para uso na sub-metralhadora. Além disso, a alavanca de manejo foi transferida da parte de cima da armação para a lateral direita, tal como ocorreu com as sub-metralhadoras Thompson norte-americanas.
Posteriormente surge o modelo M953, com pequenos melhoramentos tais como o alojamento do carregador mais longo e reforçado. Estas armas foram padrão de uso no Exército, de 1950 a 1972, e também nas forças policiais brasileiras. A sub-metralhadora INA possuía uma cadência de cerca de 600 tiros por minuto, não tinha dispositivo de tiro seletivo e funcionava com o princípio de ferrolho (culatra) aberto, embora a sua relativamente baixa cadência de tiro permitisse que um atirador, com certo treino, desse rajadas curtas; bastava para isso ter alguma intimidade com o gatilho da arma. A arma era realmente muito bem projetada e simples, contando com menos de 40 peças.
Detalhe de uma sub-metralhadora INA pertencente ao Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, nas décadas de 50 a 60. Detalhe para o seletor de segurança marcado F e S, posicionado sobre o gatilho.
A arma também não permitia o disparo com uma só mão, o que em certas situações de combate chega a ser uma desvantagem: uma tecla de segurança, posicionada junto ao retém do carregador, tinha que ser pressionada com a outra mão, obrigatoriamente, para que a arma disparasse. Caso essa tecla dianteira não fosse pressionada antes da tecla do gatilho, o ferrolho ainda assim era solto pelo gatilho mas seu curso era interrompido a cerca de poucos centímetros antes de alimentar o cartucho.
O peso da arma era de 3,400 Kg, comprimento total de 74,9 mm e comprimento de cano de 214 mm. O carregador original tinha capacidade de 30 cartuchos, posicionamento bifilar mas com sistema de alimentação única central, o que significa que só um cartucho fica exposto de cada vez na parte superior do carregador. Porém, é uma solução empregada hoje na maioria das pistolas com carregadores bifilares. O carregamento podia ser bem facilitado lançando-se mão de um dispositivo municiador que era fornecido com a arma, e que poderia ser guardado dentro da empunhadura.
Ainda deve-se ressaltar que esta submetralhadora granjeou uma fama digamos, um pouco injusta, entre os seus usuários, de ser pouco confiável em ação, pois em seu uso ocorriam muitos problemas de tiro (negas e falhas na alimentação), chegando ao ponto de que as iniciais do fabricante (I.N.A.) se tornaram uma cruel alcunha: “Isto Não Atira”. Verdade seja dita, a culpa era da munição .45 ACP nacional, de baixa qualidade, munição esta que inclusive acompanhou a arma quando da sua entrega às forças policiais, piorando ainda mais a má imagem da arma.
Vista explodida da arma, onde se nota a extrema simplicidade. A armação é de aço estampado, que se abre em duas metades articulada pelos mesmos parafusos que fixam a coronha, de tubo de aço.
Posteriormente o problema foi exaustivamente investigado, com auxílio do fabricante da munição, a C.B.C. Chegou-se à conclusão, depois de vários testes, que a munição não poderia ser crimpada, o chamado “roll-crimp”, como eram produzidas na época, porque isso permitia que o cartucho adentrasse mais do que devia na câmara e ocasionasse falha na percussão. Como a munição .45 não é cônica, e não possui aro, somente um degrau existente no interior do cano poderá servir para estabelecer a posição correta do cartucho, o chamado “head-space”.
A C.B.C. então lançou uma munição modificada, com montagem sem crimpagem, ou “taper-crimp”, onde havia naturalmente um pequeno degrau na junção do projétil com o estojo. No entanto, há vários depoimentos de que ainda ocorriam uma série de incidentes com essa munição, inclusive com projéteis que estacionavam no interior do cano, causando um problema muito sério no cano da arma.

Diferença na crimpagem de munição .45ACP M1 (esquerda) e da munição M4 (direita), produzidas pela CBC nos idos da década de 50.
Alguns estudiosos também atribuem o problema dos engasgues ao carregador da arma. Apesar de ser do tipo bifilar, havia um estrangulamento na seção final para que só um cartucho ficasse à mostra, preso pelos lábios do carregador de ambos os lados, ao contrário do projeto original da Madsen em que a abertura de saída era mais larga. Talvez por excessiva pressão da mola, e estando o carregador totalmente cheio, o ferrolho tinha certa dificuldade de extrair os primeiros cartuchos, o que diminuía um pouco a velocidade e podia ocasionar negas, apesar do cartucho estar corretamente inserido na câmara.
Metralhadora INA fornecida para a FAB, com seletor de tiro automático e intermitente (coleção particular)
Detalhe do seletor de tiro da INA fornecida para a Força Aérea Brasileira
A troca do cano nesta arma era uma operação bastante simples, o que era uma de suas grandes vantagens. Aliás, toda a manutenção interna era simplificada, pois a caixa de culatra era feita em duas partes, articulada por uma espécie de dobradiça, onde também se fixava a coronha. O cano possuía uma luva rosqueada na armação e era encaixado por uma chaveta. Bastava desatarrachar a luva, que possuía recartilhados para facilitar a aderência da mão, e a arma se abria em duas metades.
De modo geral, a submetralhadora INA era uma arma muito bem concebida. O projeto original Madsen era, indiscutivelmente, muito bem elaborado. Talvez o maior dano causado à ela tenha sido a necessidade da modificação do calibre original de 9mm Parabellum para o .45ACP, que aliada à uma munição, no início, problemática, causou muitos transtornos e uma imagem negativa.
O controle da arma, no calibre .45, era muito mais difícil de ser mantido do que no projeto original, devido à diferença de peso dos projéteis. Mas, se formos analisar as características gerais, como a facilidade de manutenção e desmontagem, o uso intensivo de estamparia no processo, baixando os custos, e a simplicidade do mecanismo, com poucas peças internas, o projeto pode, sem dúvida, ser avaliado como muito melhor e mais confiável do que muitas armas similares de sua época, como as inglesas Sten e as M3 norte americanas.
Uma estimativa bem comportada dentre historiadores acredita que a produção total das sub-metralhadoras foi de cerca de 30.000 peças, embora existam relatos que falam em 80.000, o que, sem dúvida, me parece um número super estimado.
Em 1980 houve, por intermédio do AGGC (Arsenal de Guerra General Câmara) a idéia de se retornar o calibre das armas para o original, em 9X19mm Parabellum. O major Correa Lima chegou a desenvolver uma espécie de kit de conversão, mas a idéia não seguiu adiante, Para isso, foi utilizado canos da submetralhadora Beretta M12, já fabricados aqui no Brasil pela Taurus. O carregador também era da M12, com capacidade de 32 cartuchos. Além disso, foi alterada a posição da janela de ejeção lateral para o topo da armação, com o desenho de um novo ejetor, além da colocação de um compensador na boca do cano para melhorar o controle da arma no tiro automático, lembrando que a sub INA não dispunha de seletor de tiro. Nessa memsa época, a Imbel recebeu cerca de 40.000 armas para serem submetidas a um processo de modernização, onde seriam empregados compensadores, diferentes comprimentos de canos e alterações na posição da alavanca de manejo do ferrolho. O amigo C. Valente, que lá trabalhou por décadas, não sabe, entretanto, quantas dessas armas foram retrabalhadas.

O protótipo da INA em calibre 9mm Parabellum, fotografia obtida do excelente trabalho do historiador Ronaldo Olive, no excelente site TFB, no endereço http://www.thefirearmblog.com
A Indústria Nacional de Armas se destacou também na produção de armas que ficaram bem populares no Brasil, como a conhecida série dos revólveres “Tigre”, baseados no desenho dos Smith & Wesson norte-americanos, mod. 10 (Military And Police), em calibre .32 S&W Long, com várias versões onde se alterava a localização do desenho do logotipo, estampado na lateral da armação, ora variando para o lado esquerdo, ora no direito, ou de frente.
O fim das atividades da INA, em 1972, foi inglório. A fábrica, que no final da produção ocupava um terreno em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, foi sendo lentamente atolada em dívidas; há até uma teoria de que “forças ocultas” governamentais fizeram de tudo para evitar que a INA sobrevivesse. Sem mais poder exportar, acabou falindo.
No entanto, o fim da produçao não impactou a utilização maciça da arma, que continuou sendo empregada por forças policiais no país.
Veja mais detalhes sobre os demais produtos da INA em nosso artigo Antigas Fábricas de Armas no Brasil.









